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Planejamento colaborativo na cadeia de suprimentos – CPFR (Parte 1)

Por Diego de Souza e Luciana Magalhães

É difícil começar um artigo sobre planejamento sem cair no bom e velho clichê: o mercado está cada vez mais instável e dinâmico. Consumidores ficam mais exigentes, portfólios ficam mais numerosos, mercados inteiros surgem de um dia para o outro, e a conectividade faz com que as ondas de mudança se propaguem com cada vez maior velocidade. A incerteza maior faz com que, mais do que nunca, não seja suficiente olhar apenas para dentro das fronteiras da empresa. É preciso olhar além, através dos elos da cadeia de suprimento até chegar à real demanda do consumidor final, e é preciso olhar para trás, colaborando com fornecedores para garantir que o futuro que eles enxergam e planejam seja o mesmo que o seu.

Esta incerteza pode ser diminuída com o aumento da visibilidade na cadeia e com processos de planejamento internos (como o S&OP) e colaborativos (como CPFR), mas nunca pode ser eliminada. A incerteza que resta depois de todos os nossos esforços para eliminá-la pode ser compensada basicamente de três maneiras: com estoques, com agilidade de reação, ou com menor nível de serviço ao cliente. Cada uma destas formas de compensação tem seus respectivos custos, os quais podem ser balanceados de forma a diminuir o custo total.

Este artigo é o resultado de extensa pesquisa feita em parceria entre Plannera, ILOS e Fidelize, e da experiência no desenho e implantação de processos de planejamento. No decorrer dos meses que precederam este artigo, mais de cem empresas foram entrevistadas, milhões de dados foram analisados, e uma extensa bibliografia foi revisada. Uma série de iniciativas decorreu deste esforço olhando diversos aspectos do assunto, incluindo o desenvolvimento de ferramentas de apoio ao processo, e uma série de palestras e artigos, dos quais este faz parte. Aqui, em particular, exploraremos o processo de planejamento colaborativo da cadeia de suprimentos (em inglês: Collaborative Planning, Forecasting and Replenishment, ou CPFR) como uma das frentes de combate à incerteza.

Nesta primeira parte, será exposto o conceito e critérios de aplicabilidade do CPFR. Já na segunda parte do artigo, a ser publicada na próxima edição, exploraremos a implantação do processo, exemplificando com alguns casos reais.

Figura 1 – Qual dos resultados justifica o investimento no desenvolvimento da força de trabalho?
Fonte: The Economist Inteligence Unit (2014)

 

Breve história

O início da década de 90 foi marcado por um boom de iniciativas colaborativas: Em 1991 a empresa BOSE foi pioneira com JIT II (Just in Time II), no qual trouxe fornecedores estratégicos para dentro de sua fábrica, trabalhando como parte de sua equipe. Outra iniciativa partiu da indústria de alimentos, que deu início ao movimento do ECR (Efficient Consumer Response) nos EUA em 1993, quando supermercadistas e fabricantes iniciaram a colaboração compartilhando informações em tempo real, gerenciando categorias, realizando reposição contínua, o custeio baseado em atividades e a padronização. Também nos EUA, surgiu no setor têxtil o QR (Quick Response), no qual fornecedores passaram a receber dados coletados nos pontos de vendas do cliente e sincronizaram suas operações de produção e seus estoques com as vendas reais do cliente final (sell out). Outra abordagem colaborativa iniciada na década de 90 para otimizar o desempenho da cadeia de suprimentos foi o VMI (Vendor Managed Inventory). No VMI, o fornecedor tem acesso aos níveis de estoque do cliente e assume as decisões sobre reabastecimento.

Nenhuma nas iniciativas foram implementadas em larga escala conforme o idealizado, principalmente por duas razões: dificuldades culturais relacionadas à gestão colaborativa e falta de software escalável. Apesar disso, elas foram importantes para a conscientização dos benefícios da visibilidade e da colaboração na cadeia de suprimentos. Estes movimentos de colaboração foram expandidos e evoluíram naturalmente para o CPFR.

 

Conceito

A prática do CPFR vem sendo adotada como um meio de integrar todos os players, permitindo uma visão global da cadeia de suprimentos. A combinação da inteligência dos parceiros comerciais no planejamento e atendimento à demanda com uma orientação focada no consumidor final e no sucesso da cadeia de valor permite a criação de inúmeras soluções ganha-ganha. O processo ajuda as empresas participantes a administrarem e compartilharem informações, de maneira a equilibrar a cadeia, controlando o estoque em todos os elos, diminuindo ruptura e aumentando o nível de serviço entregue aos clientes.

O movimento CPFR surgiu em 1995 a partir de um projeto piloto entre o Wal-Mart e um de seus fornecedores, a ex-Warner-Lambert, com o apoio da Benchmarking Partes, SAP e Manugistcs. A iniciativa teve como principal objetivo a previsão de vendas e o reabastecimento dos estoques dos produtos da marca Listerine de maneira colaborativa. Os resultados apresentados em 1996 foram satisfatórios e o piloto foi um sucesso, contando com a redução de lead times, aumento de vendas e diminuição nos índices de ruptura dos produtos.

Na sequência do sucesso do piloto, a VICS (Voluntary Inter-industry Commerce Standards) se envolveu no programa e ajudou em sua evolução. Em 1998 foi publicado um modelo de nove passos para a implementação do programa pelo comitê CPFR da VICS, composto por empresas ligadas ao varejo, empresas manufatureiras, fornecedores de serviços e empresas ligadas ao e-marketplace.

Apesar da VICS estar focada na cadeia de bens de consumo e varejo, o modelo básico de CPFR pode ser adotado por indústrias de outros setores, podendo ser aplicável tanto à relação entre indústria e seus fornecedores, quanto à de indústrias com os canais de distribuição e varejo.

Os nove passos apresentados pelo modelo da VICS de 1998 são:

  1. Desenvolvimento de acordos na linha de frente
  2. Criação de planos de negócios conjuntos
  3. Criação de planos de vendas
  4. Identificação de exceções nos planos de vendas
  5. Solução das exceções identificadas nos planos de vendas
  6. Criação de plano de compras
  7. Identificação de exceções nos planos de compras
  8. Solução das exceções identificadas nos planos de compras
  9. Geração de pedido de compras

Segundo o modelo da VICS, o primeiro passo para a implantação do CPFR deve ser o desenvolvimento de acordos na linha de frente e de um plano de negócios conjunto. Após esta etapa, planos de vendas e de pedidos para o horizonte de planejamento definido deverão ser elaborados em consenso pelos parceiros periodicamente, assim como ações promocionais e informações de mercado deverão ser compartilhadas.

Na sequência do desenvolvimento de cada plano, as exceções deverão ser identificadas e tratadas. São consideradas exceções todas as revisões do plano de vendas ou de pedidos que ultrapassem um certo patamar pré-acordado. Elas deverão ser tratadas dentro do processo e deverão ter seus impactos avaliados pelos processos de planejamentos internos de cada colaborador.

Um eficiente gerenciamento de exceções é crucial para que se possa escalar o processo para um grande número de SKUs e pontos de estoque. Diferentemente das iniciativas colaborativas anteriores, o CPFR requer colaboração de ambos os participantes para resolver estas exceções. Softwares que auxiliam na detecção e tratamento das exceções também são grandes aliados nesta etapa do processo.

Após os acordos iniciais, os planos compartilhados de vendas e de pedidos, os tratamentos de exceções e as trocas de informações estratégicas, o passo conclusivo do processo é a geração de pedidos de reposição, garantindo a conexão do planejamento à execução.

Em 2004, a VICS lançou uma versão revisada do modelo de 1998. A nova versão é mais abrangente que a anterior, englobando 4 diferentes macro etapas: Strategy & Planning, Demand & Supply Management, Execution, e Analysis. Estas etapas englobam no total 8 tarefas colaborativas e ainda alternativas de papéis no processo e alternativas para cenários comuns no CPFR. O novo modelo é mais simples de ser entendido e mais facilmente executável. Por ser mais adaptável que a versão anterior, este responde melhor às necessidades das diferentes empresas que desejam implementar o processo.

As principais atividades que devem ser realizadas em cada macro etapa do processo estão listadas abaixo:

1. Strategy and Planning: Estabelecimento de acordos para o relacionamento colaborativo.

– Definição dos objetivos da parceria e papéis.
– Seleção dos membros da equipe e atribuição de funções e responsabilidades.
– Determinação do mix de produtos que participarão do processo.
– Identificação de eventos que possam afetar a demanda e o suprimento, como: promoções, mudanças na política de estoques, abertura e fechamento de lojas, lançamento e descontinuação de produtos.

2. Demand and Supply Management: Projeções da demanda do consumidor e pedidos ao longo do horizonte de planejamento.

– Previsão da demanda do consumidor para o horizonte de planejamento definido.
– Criação de planos de pedidos futuros com base na previsão de vendas realizada, políticas de estoque e informações de eventos previstos.
– Revisões dos planos feitos nos ciclos anteriores.
– Tratamento de exceções dos planos de vendas e compras.

3. Execution: Transformação dos planos de pedidos em pedidos reais e atendimento destes.

– Geração de pedidos.
– Transações de vendas e pagamentos.
– Produção, expedição, distribuição e estocagem de produtos.

4. Analysis: Avaliação de desempenho por meio de indicadores visando a melhoria contínua dos resultados.

– Geração de indicadores para avaliar o processo.

Outro ponto muito importante e também abordado pelo novo modelo da VICS é o alinhamento com os processos internos de planejamento. Sem alinhamento interno previamente desenvolvido com enfoque colaborativo, o esforço de colaboração externa deverá ser maior e os benefícios alcançados serão limitados. Sendo assim, é crucial que os processos de planejamento interno sejam robustos e que as diferentes áreas trabalhem de maneira integrada. Empresas que possuem um bom processo de planejamento integrado de operações e vendas (S&OP), apresentam maiores chances de sucesso com o CPFR.  

 

Desafios e Benefícios

Os benefícios do CPFR emanam principalmente da diminuição das incertezas na cadeia, que são amplificadas quanto mais a montante caminhamos pelo que ficou conhecido como “efeito chicote”. Esta amplificação da variabilidade da demanda percebida por cada elo é causada principalmente pela flutuação de preços, consolidação de lotes de compra, lógicas de pedido e, finalmente, pelo acúmulo de erros de previsão em cada processo de planejamento interno. Isto faz com que a cadeia como um todo carregue mais estoque, e sofra mais com problemas como rupturas de estoque, backorders, write-offs, transportes emergenciais, e longos ciclos de ressuprimento.

São abundantes os estudos que listam e quantificam estes benefícios. Incluímos na tabela anexa os resultados de uma pesquisa feita pela AMR research, separados por elo da cadeia. Além dos ganhos relativos ao faturamento, destacamos o significativo impacto na redução dos níveis de estoque, geralmente usado como principal defesa contra a incerteza. Com o elevado custo de capital que enfrentamos no Brasil, esta redução pode trazer ganhos significativos através da diminuição do ciclo cash-to-cash.

Quanto aos desafios, podemos dividi-los nas três categorias clássicas de Pessoas, Processos e Tecnologias. Na frente de Pessoas, o principal desafio é o cultural. Deficiências conceituais quanto ao processo são facilmente resolvidas com treinamento e consultoria, entretanto o real convencimento de todos os envolvidos do caráter ganha-ganha do CPFR não é uma tarefa simples. A relação natural de confronto entre varejo e indústria torna o salto para uma mentalidade de planejamento colaborativo o maior desafio para o sucesso destes projetos. Estudos de casos de sucesso em indústrias similares e pequenos pilotos ajudam no processo de convencimento, e a mensuração constante dos resultados após implantação ajuda a mitigar o risco de uma recaída.

Em Processos, destacamos o respeito ao cronograma como um fator chave de sucesso. Por envolver diversas equipes, afetar significativamente outros processos internos (como o S&OP, por exemplo), e ter de lidar com um volume considerável de dados, é virtualmente impossível rodar um processo de CPFR sem ater-se a um cronograma rigoroso. Parâmetros de exceção devem ser regulados de forma que a média de exceções geradas possa ser tratada no tempo disponível para o processo, informações deve ser compartilhadas no tempo e formato certos, e reuniões devem seguir uma pauta bem definida para garantir o bom uso do tempo dos envolvidos. Métodos de cálculo de pedido a partir dos planos de vendas (como o atingimento de um estoque meta ao final do mês, por exemplo) devem ter seus parâmetros bem definidos e acordados entre as partes, de forma a requerer o mínimo de intervenção humana. Além do cronograma, podemos ressaltar também a importância da definição de responsabilidades entre as equipes de planejamento envolvidas. Pontos focais devem ser estabelecidos para evitar falhas de comunicação, e processos satélite devem garantir que informações relevantes de áreas relevantes da companhia (como ações de marketing, lançamentos e mudanças de preço) fluam para o planejamento.

Já na categoria de Tecnologia, a dificuldade principal é a coleta e qualificação dos dados utilizados no processo. O CPFR é acima de tudo um processo de tomada de decisão conjunta, e decisões confiáveis precisam ser baseadas em dados confiáveis. Ultrapassada a barreira cultural de conseguir acesso a informações como vendas e estoques, o desafio que segue é o da coleta destas informações, que se encontram em diferentes empresas, e em diferentes sistemas. Adiciona-se a isso a necessidade de consistência com os cadastros (como os códigos de produto), padronização de unidades, padronização de layouts de arquivos de troca, e alinhamento de conceitos (por exemplo, a definição de estoque disponível para venda), entre outros. Soluções na nuvem facilitam a conexão com os diversos elos da cadeia, e tornam a colaboração sobre uma mesma base de dados mais simples. Sistemas também auxiliam na geração automática de exceções, na detecção de dados fora do comum, e no gerenciamento do fluxo de trabalho.

 

Aplicabilidade

É comum escutarmos casos de cadeias que não obtiveram sucesso com a implantação do CPFR. Tal situação ocorre principalmente por três motivos: pelo processo ser bastante trabalhoso, pelas previsões do varejo não serem boas o suficiente e por falta de integração com outros sistemas das empresas, como ERP e APS.

Apesar de casos de insucesso existirem, eles não devem ser generalizados. O processo é capaz de entregar o que promete e diversos casos de sucesso podem servir como prova disso. A primeira questão que deve ser levada em consideração é se as empresas que desejam iniciar o processo apresentam as características necessárias para conseguir se beneficiar desta empreitada.

Mas afinal, quais são as características que uma cadeia deve apresentar para ter maiores chances de sucesso com o CPFR? Segundo Lora Cecere, em seu artigo de 2010, os critérios são:

  1. Alta volatilidade da demanda: Quanto maior o benefício com a antecipação do conhecimento de variações na demanda, maior será o valor gerado pelo CPFR. Empresas cujos produtos têm ciclo de vida curtos, padrões sazonais, forte dependência climática, e que pertençam a categorias competitivas, como, por exemplo, o seguimento de alimentos e objetos da moda. Cadeias que possuem demanda estável e fácil de prever não terão tantos ganhos e possivelmente o investimento não será justificado.
  2. Parcerias fortes: A utilização do CPFR está fortemente ligada à gestão do relacionamento da cadeia de suprimentos. É necessário maturidade e envolvimento dos parceiros para que o processo apresente bons resultados. Os dados precisam ser confiáveis, acessíveis e significativos para os objetivos de ambas as partes. Os parceiros devem apresentar habilidades de planejamento e engajamento pela precisão das previsões.
  3. Preparo tecnológico: As empresas que participam do CPFR precisam estar preparadas tecnologicamente para a colaboração. Sem ferramentas que ajudem na sincronização de informações, integração dos planos de vendas e pedidos e no tratamento das exceções dos planos, será muito custoso avançar no processo.
  4. Presença significativa no canal: O volume de vendas para os parceiros e/ou dos itens escolhidos para participarem do CPFR deve ser significativo, representando pelo menos 10% das vendas no canal. Quanto mais representativo, maiores serão os potenciais benefícios.
  5. Ligação direta com a reposição: o processo de planejamento não podem viver estanques. É necessário garantir que a execução esteja conectada, e que a realidade reflita o mais fielmente possível o que foi acordado, salvo exceções.

Em alguns casos, empresas possuem as características apresentadas acima, porém não estão maduras o suficiente para iniciar um processo como o CPFR e obter valor dele. Sendo assim, após a conclusão de que a sua empresa pode tirar proveito do processo, duas perguntas devem ser respondidas:

  1. A sua empresa valoriza a cooperação e comunicação entre departamentos e entre parceiros comerciais?
  2. A sua empresa adotou outras boas práticas da indústria, como EDI, padronização da identificação de produtos (EAN), ECR, VMI, S&OP etc.?

Se a resposta para as perguntas acima for “não”, o recomendado é dar um passo atrás antes de partir para o piloto e resolver questões relacionadas à cultura da empresa. Caso a resposta seja “sim” para as perguntas acima, siga em frente!

Na próxima parte deste artigo, entraremos mais a fundo nos passos necessários para a implantação.

 

https://ilos.com.br

Graduado em Engenharia Civil pela PUC-Rio e Engenharia Industrial pelo INSA Lyon, sendo também certificado como Certified Supply Chain Professional pela APICS. Foi consultor de projetos do ILOS por 4 anos, atuando em projetos como definição de rede logística, previsão de vendas e S&OP em diversas indústrias, no Brasil e no exterior. Tem artigos publicados em revistas especializadas nos temas de previsão de vendas e tecnologia aplicada ao processo de S&OP. É atualmente sócio gestor da Plannera, empresa especializada em apoiar processos de S&OP.

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