HomePublicaçõesInsightsO que os problemas com fornecedores nos clubes brasileiros podem nos ensinar?

O que os problemas com fornecedores nos clubes brasileiros podem nos ensinar?

O Fluminense apresentou hoje seus novos uniformes para a disputa do Campeonato Brasileiro, que dessa vez são confeccionados pela americana Under Armour. O que chama a atenção nessa notícia é que ela se assemelha a um acontecimento do ano passado, quando o tricolor carioca também apresentou uniformes de um então novo parceiro, a Dry World. Na ocasião, o clube deixava uma parceria de quase 20 anos com a Adidas para assinar com a jovem empresa canadense, em um acordo de cinco anos com valores que chegariam a R$ 110 milhões no total.

A realidade acabou sendo bem diferente do que parecia, no entanto, e a parceria foi marcada por diversos problemas. A Dry World atrasou pagamentos por diversos meses, teve dificuldades na distribuição dos produtos, a qualidade dos uniformes produzidos foi bastante questionada por torcedores e dirigentes, e as equipes das divisões de base e do time feminino de vôlei simplesmente não receberam o material apropriado, e seguiram usando os uniformes da Adidas. O resultado foi a rescisão de contrato muito antes de seu fim, o que levou ao já citado acordo com a Under Armour neste ano.

Casos como este mostram as dificuldades e leviandades que os clubes brasileiros possuem na escolha e no relacionamento com seus fornecedores de material esportivo. O próprio caso da Dry World não se limitou ao Fluminense. O Goiás e o Atlético-MG também assinaram com a fornecedora em 2016, tiveram os mesmos problemas, e ambos hoje já a substituíram pela Topper.

O clube mineiro, aliás, tem tido muitas complicações para manter um mesmo fornecedor nos últimos anos. Desde 2010, foram nada menos que 5 trocas de marca na camisa da agremiação, com escolhas duvidosas sendo recorrentes. Em 2013, o clube trocou a própria Topper pela Lupo Sports, visando um acordo de dois anos mais rentável, mas a empresa acabou tendo problemas de fornecimento, distribuição e até mesmo pôs à venda camisas defeituosas. Anos depois, com a Dry World, o clube volta a apostar em uma empresa nova que promete um grande pagamento, mas não consegue cumprir com requisitos básicos da prestação do serviço pelo qual foi contratada.

 

Figura 1 – Atlético-MG trocou 5 vezes de fornecedor em 7 anos

Fonte: Camisas e manias, Netshoes, Centauro, Camisetas de Futebol e UOL

 

Muitos devem achar que a relação com um fornecedor de material esportivo é diferente da de um fornecedor comum, como vemos em diversas atividades logísticas, afinal nesse caso é a empresa fornecedora quem paga pelo contrato. Isso não é exatamente verdade, pois grande parte dos valores que as fabricantes oferecem aos clubes são referentes exatamente ao fornecimento de materiais esportivos. O Flamengo, por exemplo, assinou no fim de 2012 um contrato de mais de R$ 35 milhões anuais com a Adidas. Mais de um quarto desse valor (R$ 9,8 milhões) era entregue através do fornecimento de mais de 90 mil peças para uso dos departamentos esportivos do clube. Ou seja, os clubes de fato compram as peças, só que o valor da aquisição é menor que o do licenciamento da marca do time por parte da fornecedora. Além disso, o fornecedor também tem a responsabilidade de entregar as camisas e outros produtos para os torcedores das agremiações, em troca de ganhar a maior parte do valor de venda.

Outros casos recentes de atrito entre times brasileiros e fornecedoras envolveram a Nike e outros três clubes. Em 2012, a empresa americana quis expandir suas parcerias no futebol brasileiro (antes restrita a Corinthians e CBF) e de uma vez só fechou acordos com Internacional, Bahia, Santos e Coritiba. Acontece que só com o primeiro a parceria foi firmada de forma direta. Com os outros a relação era feita pela Netshoes, a maior loja online de produtos esportivos, que produzia e distribuía os uniformes com material e desenho da Nike. Esse modelo de intermediação recebeu algumas críticas por parte desses clubes, principalmente por conta da distribuição a outros varejistas, e da falta de tratamento especial da Nike, que desenhava uniformes sem muita personalização, com grandes semelhanças a de outros clubes atendidos pela marca. Hoje a Nike possui ainda relações com a CBF, Corinthians e Internacional, mas não mais com os outros três. O Santos, aliás, devido a esses problemas, resolveu fazer por si mesmo a fabricação, distribuição e venda de suas peças (que são apenas desenhadas pela italiana Kappa). Este modelo inovador, no entanto, tem se mostrado muito pouco rentável ao Peixe, indicando que ainda é melhor possuir um fornecedor do que se arriscar em um negócio em que o clube não tem experiência.

 

Figura 2 – Anúncio da Nike das novas parcerias em 2012, com Internacional, Santos, Bahia e Coritiba. Só a com o clube gaúcho continua até hoje.

Fonte: Nike

 

O troca-troca de fornecedores parece de fato ser uma característica mais acentuada nos clubes brasileiros. Desde 2006, os 12 principais clubes do país (de RJ, SP, MG e RS) trocaram de marca 32 vezes e apenas o Corinthians não teve nenhuma mudança. Já os 12 clubes de maior faturamento no mundo no ano passado (todos europeus) fizeram apenas 15 câmbios de fornecedor no mesmo período, sendo que quatro dos seis maiores não os alteraram. É um indício da diferença que existe na forma como os clubes europeus gerenciam os seus contratos, e conseguem criar parcerias muito mais longas, capazes de gerar maiores frutos, tanto para a empresa quanto para o clube. Não é necessário nem mudar de continente para fazer a comparação, já que até mesmo na nossa vizinha Argentina, seus dois principais clubes, Boca Juniors e River Plate, seguem usando Nike e Adidas, respectivamente, desde o século passado.

 

Figura 5 – Comparação entre as trocas de fornecedores nos principais clubes do Brasil e da Europa

Fonte: Elaboração própria

 

O último caso que vale a pena mencionar é o do Vasco da Gama com a Champs em 2008 e 2009. O clube apostou na parceria com a empresa brasileira, nova no mercado, mas não teve sucesso. As primeiras camisas apresentadas foram criticadas publicamente pelo presidente do clube e por torcedores (pois não tinham a faixa transversal, que é símbolo do time) e novas tiveram que ser providenciadas, as peças eram de má qualidade, produtos prometidos não foram lançados, aconteceram diversos atrasos na entrega de material ao clube, a empresa não conseguia distribuir os uniformes para as lojas com um nível de serviço adequado (aliás, os problemas de distribuição de peças poderiam render um post por conta própria) e atrasou pagamentos do contrato. Houve ainda o envio de meiões com o nome do time a outro clube parceiro da empresa, o Vitória-BA, que até foram utilizados pelo goleiro do time baiano, pois eram os únicos disponíveis. Anos depois, a proprietária da empresa ainda seria presa, acusada de estelionato, e a fornecedora deixou de existir, e mesmo já não tendo envolvimento com o Vasco, a breve parceria com o clube carioca foi lembrada nas matérias jornalísticas do caso, o que não é exatamente bom para a imagem do cruzmaltino.

 

 Figura 6 – No topo, uniformes novos rejeitados pela torcida. Em baixo à esquerda, a confusão do envio de meiões a outros clubes. À direita, caso de polícia relembra a antiga parceria

Fonte: Netvasco, Globo Esporte, Lancenet

 

O que se vê nos clubes brasileiros é que muitas vezes os dirigentes parecem olhar apenas para as cifras do contrato apresentado e esquecem de todo o resto, como a capacidade da empresa que está propondo a oferta em atender as necessidades da equipe de material para treino e jogos, a experiência no mercado brasileiro para comércio e divulgação dos produtos oficiais do clube (que geram receitas de royalties), a expertise de design e tecnologia de uniformes para agradar jogadores e torcedores, os valores da marca que ficará ao lado do escudo do clube, a capacidade de gerenciar lojas oficiais, e de promover novas plataformas de vendas, promoção e relacionamento que potencializem os ganhos para ambos.

Estes acontecimentos do mundo do futebol podem trazer diversas lições sobre a gestão e relacionamento com os nossos fornecedores. Da mesma forma que os clubes devem atentar a diversos fatores para seleção de um parceiro, todas as empresas também têm que ser igualmente criteriosas e detalhistas ao negociar novas colaborações. É preciso olhar não apenas para os valores que estão sendo negociados, mas para tudo o que envolve os dois potenciais parceiros, como as condições de nível de serviço, meios de comunicação, outros custos que podem estar ocultos, situação financeira da empresa que quer ser contratada, experiências anteriores, garantias contratuais para cumprimento adequado do negociado, além de políticas de ética, compliance e sustentabilidade da empresa que irá se associar ao seu negócio. Essa visão completa da parceria é um tema muito abordado nos nossos cursos sobre compras e suprimentos, e é fundamental para construção de relacionamentos mais longínquos e valiosos, e para que se evitem traumas de rescisão, disputas judiciais e esforços e gastos desnecessários com trocas constantes de fornecedor.

E a sua empresa, bate um bolão com seus fornecedores ou tem marcado gols-contra?

 

Referências

http://www.lance.com.br/santos/fabricacao-propria-nao-rende-peixe-lucra-700-mil-com-uniformes.html

http://espn.uol.com.br/noticia/630333_dry-world-esgota-paciencia-e-atletico-mg-procura-nova-fornecedora-no-mercado

https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2016/07/27/ta-dificil-flu-sofre-com-atrasos-da-dryworld-e-usa-adidas-na-base.htm

http://maquinadoesporte.uol.com.br/artigo/bahia-antecipa-fim-de-contrato-com-nike-e-avanca-em-negociacao-com-penalty_26982.html

http://espn.uol.com.br/noticia/397053_camisas-copias-de-europeus-da-nike-enfurecem-clubes

http://www.otempo.com.br/superfc/atl%C3%A9tico-reduz-contrato-com-lupo-para-um-ano-1.689246

http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Futebol/0,,MUL1116692-9825,00-CHAMPS+AFIRMA+QUE+MEIOES+DE+VASCO+E+VITORIA+SAO+PRATICAMENTE+IGUAIS.html

http://maquinadoesporte.uol.com.br/artigo/eurico-reclama-da-nova-camisa-do-vasco_6923.html

http://extra.globo.com/esporte/fluminense/flu-rescinde-com-adidas-assina-com-dry-world-no-total-de-110-milhoes-contrato-o-mais-valioso-da-historia-do-clube-18384908.html

http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2012/12/flamengo-aprova-parceria-com-adidas-veja-detalhes-do-contrato.html

https://www2.deloitte.com/br/pt/pages/consumer-business/articles/Deloitte-Football-Money-League.html

https://ndonline.com.br/florianopolis/esportes/proprietaria-da-fornecedora-esportiva-champs-e-presa-em-sao-paulo?provider=facebook

https://extra.globo.com/esporte/fluminense/fluminense-lanca-os-novos-uniformes-com-slogan-veste-se-for-guerreiro-21615083.html

Atua há 5 anos em projetos de consultoria em Logística e Supply Chain, possui experiências em empresas dos setores de bens de consumo, varejo e de alimentos e bebidas. Tipos de projetos já realizados: Sales & Operations Planning, Gestão de Estoques, Planejamento de Redes, Revisão de processos comerciais, Indicadores de logística e Gestão de transportes

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