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LOGÍSTICA NA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA TERCEIRIZAÇÃO

Durante décadas, a indústria farmacêutica foi marcada por altas margens de lucro e taxas de crescimento estáveis, advindas das patentes e produtos inovadores. Ao longo dos últimos anos, no entanto, a dinâmica do mercado vem mudando consideravelmente. A popularização dos medicamentos genéricos e a expiração de patentes impulsionam um cenário competitivo mais agressivo, marcado pela necessidade de reposição de portfólio, ao mesmo tempo em que há crescente pressão sobre a formação de preços no setor.

Com isso, o segmento busca novas maneiras de aumentar a margem melhorando a eficiência em toda a supply chain. Neste contexto, o operador logístico assume um papel importante para atender todas as demandas deste setor, que tem exigências próprias e requer alto nível de serviço.

O artigo tem o objetivo de apresentar a oportunidade de terceirização da logística na indústria farmacêutica e os desafios encontrados na seleção de parceiros para a operação. O conteúdo do artigo reúne experiências do ILOS, advindas de projetos e pesquisas realizados pelo subsegmento de consultoria do instituto voltado exclusivamente para o setor de saúde.

 

Panorama Geral Da Indústria Farmacêutica No Brasil

A indústria farmacêutica brasileira vem sendo influenciada por dois principais fatores: importantes marcos regulatórios, a partir da segunda metade de década de 1990, e o elevado crescimento da demanda doméstica, a partir de 2004.

Com a criação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 1999, as exigências por regulação em todos os processos da cadeia se intensificaram, aumentando a complexidade das operações e promovendo significativas mudanças.

O crescimento da demanda doméstica impulsionou a indústria farmacêutica e os motivadores foram:

  • Aumento do poder de compra da população durante a última década;
  • Maior conscientização, por parte dos indivíduos, de que devem se cuidar melhor;
  • Maior disponibilidade de recursos tecnológicos;
  • Elevação da expectativa de vida;
  • Investimentos do governo.

Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), a indústria farmacêutica deve finalizar o ano de 2014 com um índice de crescimento de 10% a 12%, próximo às taxas dos anos anteriores.

Somando-se a isso, a expiração de patentes de medicamentos de referência e a participação dos medicamentos genéricos são fatores que pressionam a indústria farmacêutica por reduções de custos. O novo cenário de concorrência e as altas exigências de nível de serviço trazem a necessidade de evolução da cadeia de suprimentos de maneira integrada, a fim de que a indústria possa obter ganhos de eficiência das operações.

O histórico desapego da indústria farmacêutica para com a logística cria oportunidades para os operadores logísticos, que despontam como detentores do know-how logístico de que o setor necessita no curto prazo.

 

Terceirização Na Indústria Farmacêutica

A indústria farmacêutica exerce um papel importante na cadeia de suprimentos do setor de saúde. A relação com os elos da cadeia envolve alta complexidade, que decorre de fatores como o grande fracionamento e a quantidade de SKUs.

Busca por atuação de forma integrada na cadeia, exigências de elevado nível de serviço e presença de questões regulatórias são as principais características atuais do setor, que também trabalha com produtos de alto valor agregado, estoques de produtos acabados elevados e mal posicionados nos canais de distribuição, além de dar significativa atenção aos lead times de transporte.

A Figura 1 apresenta, de maneira simplificada, a localização da indústria farmacêutica na cadeia logística do setor de saúde.

Figura 1 – Localização da indústria farmacêutica na cadeia logística do setor de saúde

Fonte: Logística Reversa para o Setor de Medicamentos – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI

 

Como podemos observar na Figura 1, a cadeia de suprimentos do setor abrange diversos players. Em geral, os distribuidores atuam com estrutura logística própria, de forma que há pouco espaço neste mercado para a atuação de operadores logísticos. Em contrapartida, os hospitais e planos de saúde mostram um movimento de introdução do conceito de logística nas suas operações, potencializando oportunidades de mercado para os prestadores de serviços logísticos (PSL).

A indústria farmacêutica ainda possui gaps operacionais quanto à automação e às soluções de armazenagem, além de restrições específicas no que diz respeito à movimentação e ao transporte de medicamentos. Tais buscas por melhorias e desenvolvimento abrem um grande potencial para a terceirização.

Além da possibilidade de redução de custos, os principais motivadores para a terceirização na indústria farmacêutica estão ligados a:

  • Know-how para otimização das operações;
  • Dificuldades em equilibrar as exigências específicas: carga delicada, rastreabilidade, rapidez e controle de temperatura;
  • Visibilidade no inventário (localização, movimentação e controle);
  • Ambiente regulatório complexo; e outros.

 

Seleção Dos Psls Na Indústria Farmacêutica

Diante da decisão de terceirizar as operações logísticas, a primeira dificuldade surge para montar a equipe do projeto de Strategic Sourcing. Em alguns casos, consultorias especializadas apoiam a empresa com processos estruturados e com benchmarking. Dadas as características singulares do setor, alguns pontos importantes devem ser abordados:

  • Critérios para a seleção de PSL;
  • Forma de remuneração dos serviços de transporte (R$/kg, % da Nota Fiscal ou R$/viagem), e de armazenagem (R$/palete, R$/unidade, R$/atividade, e outros);
  • Requisitos contratuais quanto à melhoria da operação, preço e nível de serviço.

O processo de seleção é extremamente estratégico e crítico para a indústria. As principais etapas envolvidas no processo de Strategic Sourcing são mostradas na Figura 2.

Figura 2 – Processo de Strategic Sourcing

Fonte: ILOS

 

A etapa de RFI (Request for Information) tem um papel fundamental, principalmente na seleção de operadores para a indústria farmacêutica, uma vez que levanta características importantes para a identificação da capacidade do prestador logístico na operação de medicamentos. Há, inclusive, a possibilidade de visitas técnicas aos operadores para validar a capacidade de realização e confirmação dos pontos mencionados na RFI.

Dentre os pontos que se podem identificar nesta etapa e que são impactantes no processo da indústria farmacêutica, temos:

  • Experiência na atividade com operações nos setores de higiene, saúde e farmacêutico;
  • Capacidade de investimento dos operadores, dado que há empresas com medicamentos refrigerados e controlados, que exigem uma infraestrutura específica. Além disso, há um movimento grande em questões de aumento de nível de automação, ciclo do pedido e sistemas de controle, o que requer investimento de ambas as partes;
  • A percepção e satisfação dos atuais clientes dos operadores.

O processo de avaliação dos PSL abre discussão para uma série de dúvidas específicas sobre a operação da empresa farmacêutica em questão. As mais recorrentes estão ligadas a:

  • Detalhamento de responsabilidades da contratante e da contratada, no que diz respeito a seguro, condições financeiras, investimentos, licenças e pagamentos dos serviços de transporte e armazenagem;
  • Informações sobre os produtos comercializados pela empresa que são classificados como controlados e perigosos;
  • Restrições na manipulação de produtos perecíveis, dado que cada empresa farmacêutica pode ter procedimentos específicos, além dos padrões exigidos;
  • Perfil, pontos e frequência das entregas e canais de atendimento;
  • Quantidade de SKUs e volumetria detalhadas;
  • Detalhamento das etapas das operações de transporte e/ou armazenagem;
  • Características da operação, no que diz respeito à alocação de mão de obra, turnos de funcionamento, processo de carregamento das coletas e processo de devolução;
  • Autorizações e procedimentos da empresa contratante;
  • Informações sobre os fluxos fiscais da empresa;
  • Interfaces de sistema e informações que devem ser geradas;
  • Prazo de contratação dos serviços;
  • Detalhes sobre equipamentos de rastreamento do veículo e envio de informações necessárias de transporte;
  • Detalhamento dos SLAs e KPIs envolvidos.

As exigências e particularidades do mercado farmacêutico fazem com que as indústrias sejam conservadoras e cuidadosas na terceirização. Assim, testes operacionais, transparência na relação e qualidade do serviço são essenciais para a criação de um relacionamento de confiança e segurança de ambas as partes.

Além disso, as eventuais ineficiências na operação devem ser de conhecimento de ambas as partes e planos de ação para preencher estas lacunas devem ser construídos de comum acordo, a fim de garantir a confiança, o bom relacionamento e o sucesso na terceirização.

 

Desafios Aos Operadores Logísticos

A abertura do mercado farmacêutico para a terceirização e a atratividade dos preços no transporte de remédios está mobilizando os prestadores de serviços logísticos a cumprir as exigências necessárias para entrar neste mercado, como a aquisição de licenças e certificados. Todavia, estas legalizações são o ponto de partida para outras exigências que são determinantes para a operação.

Algumas das principais especificações da indústria farmacêutica são:

 

Nível de serviço

  • Cumprimento dos lead times acordados;
  • Pessoas treinadas e aptas para a manipulação de medicamentos
  • Flexibilidade e agilidade;
  • Alta performance operacional.

 

Qualidade

  • Elevados padrões de qualidade, que são controlados;
  • Atendimento às licenças e certificados exigidos: Anvisa, agências regionais, conselhos de farmácia (Federal e Regionais); autorização para produtos controlados, seguindo portarias e resoluções instituídas pela lei, certificado do Exército, das Polícias Civil e Federal, licenças da Cetesb e do Ibama (quando aplicáveis), responsável técnico com registro no Conselho Regional de Farmácia e adoção das “Boas Práticas de Transporte e Armazenagem”;
  • Baixo nível de não conformidades;
  • Áreas segregadas/climatizadas para acondicionamento de produtos com esta exigência específica, como refrigerados e vacinas;
  • Áreas higienizadas que atendam às normas e procedimentos da indústria, com locais climatizados e exigências de higienização adequadas;
  • Áreas segregadas de quarentena para os produtos;
  • Áreas segregadas para produtos de natureza controlada.

 

Serviços

  • Experiência em operações do setor de higiene, saúde e farmacêutico e/ou boas recomendações dos atuais clientes;
  • Sistema de WMS para armazéns;
  • Boa saúde financeira;
  • Conhecimento fiscal e tributário, importante para algumas especificidades da operação com outros elos da cadeia do setor de saúde.

 

Infraestrutura

  • Investimento em infraestrutura, como câmaras frias, climatização de ambientes, sistemas de gerenciamento do armazém, sistemas para roteirização e equipamentos necessários para movimentação dos produtos;
  • Informações via EDI;
  • Veículos com controle e monitoramento da temperatura;
  • Rastreamento 24 horas;
  • Planos de Gerenciamento de Risco mais complexos e críticos no processo.

A entrada em vigor da Resolução nº 54, de 10 de dezembro de 2013, da Anvisa, traz uma nova sistemática para a padronização do sistema de rastreamento de todos os medicamentos produzidos. Medida inovadora que gera impactos na maneira como cada unidade é produzida, controlada e rastreada, com vantagens de ganhos em redução do número de desvios e maior controle unitário de cada medicamento produzido, a resolução legislativa aumenta a complexidade de especificações do setor.

A gama de exigências, muitas delas particulares do setor farmacêutico, é um desafio para os operadores logísticos e transportadoras de médio a grande porte, dificultando a aproximação da indústria farmacêutica com o mercado de autônomos, os quais têm a maior representatividade no transporte brasileiro.

Por muito tempo, houve um grupo de operadores logísticos muito seleto atuante no setor. Trata-se de renomados operadores que atendiam às exigências do mercado farmacêutico, aptos a operar com excelência e qualidade. Havia, assim, uma tendência das empresas de buscar operadores logísticos que já tinham know-how e estrutura capazes de responder às expectativas da armazenagem e transporte de medicamentos. Entretanto, nos últimos anos, houve um movimento de adequação de operadores e transportadoras que estão em busca de ganhar espaço neste mercado. Dentre os transportadores e operadores logísticos registrados no Brasil, estima-se que 30% possuam licenças e certificados perante a Anvisa para o transporte de medicamentos. Este número ilustra que já existe uma mobilização do mercado na legalização sanitária, mesmo que predomine o número de transportadoras que não estão habilitadas ao transporte de medicamentos.

A Figura 3 mostra dados levantados em pesquisa realizada pelo Instituto de Logística e Supply Chain com transportadores de médio a grande porte, atuantes no segmento de saúde, com relação às tecnologias empregadas no transporte para o setor.

Figura 3 – Tecnologia empregada pelos transportadores no segmento de saúde

Fonte: ILOS

 

É possível observar que as transportadoras deste segmento são cada vez mais exigidas no que se refere às tecnologias, principalmente as de rastreamento dos veículos e das cargas. Mesmo assim, há necessidade de investimentos e melhorias por parte das transportadoras já atuantes no setor.

O aumento, ainda que tímido, dos players neste segmento permitiu que a indústria começasse a questionar a própria forma com que os contratos com os PSL são firmados. O modelo de contratação de fretes é um exemplo claro disso.

Muitas empresas do setor de saúde adotam um modelo de pagamento de fretes por percentual da nota fiscal. Neste modelo, não há ganho algum em produtividade ou eficiência da operação, já que o frete cobrado independe do tipo de transporte (fracionado ou frechado) e das distâncias percorridas. Há um movimento da indústria farmacêutica visando alterar a forma de contratação para um formato em R$/kg, R$/t ou R$/m3.

Outra tendência do segmento é o desenvolvimento interno da inteligência do transporte. A criação de uma área própria de gerenciamento de transporte abre espaço na indústria para um modelo de contratação de várias transportadoras para realizar o transporte, prática atualmente bem desenvolvida no setor de bens de consumo, mas que, para o de saúde, é algo novo e que vem sendo visto como oportunidade de redução de custos e aprimoramento das operações de transporte.

 

Conclusões

Anteriormente, a indústria farmacêutica, dotada de altas margens de lucro, não era impactada pelas questões logísticas. As mudanças e a evolução do mercado, porém, foram motivadores para o surgimento da preocupação com operações logísticas interligadas, eficientes e otimizadas no setor.

As mudanças no ambiente regulatório envolvem restrições importantes e frequentes, com crescentes requerimentos tecnológicos e de rastreabilidade da cadeia de medicamentos. A Resolução 54/2013 é um exemplo claro do desafio da indústria farmacêutica. Neste contexto, os prestadores de serviços logísticos surgem como opção de suporte e provedores de soluções diante de um cenário turbulento de mudanças.

A abertura do mercado farmacêutico para a terceirização provocou uma movimentação por parte de operadores e transportadoras na direção da adequação no transporte de medicamentos. O mercado tem se especializado e houve um aumento de opções de operadores aptos a transportar medicamentos.

Ainda assim, é um desafio tanto para a indústria quanto para os prestadores de serviços logísticos garantir que a parceria seja benéfica para ambos os lados e marcada por uma relação ganha-ganha nos serviços prestados. A confiança e o conhecimento do serviço prestado fazem com que, hoje, ainda haja predominância de parcerias entre grandes operadores com a indústria farmacêutica.

À medida que novos PSL se especializam e oferecem um serviço de qualidade e transparência, eles despontam como fortes concorrentes dos players tradicionalmente estabelecidos no setor farmacêutico.

O sucesso da empresa na terceirização depende da relação entre custo e qualidade e da eficiência da cadeia de fornecimento, além da estratégia definida para lidar com o trade-off entre oportunidades de terceirização, seja em estoques e/ou transporte, levando em consideração a complexidade do setor.

 

Referências bibliográficas

 http://portal.anvisa.gov.br/

– Logística Reversa para o Setor de Medicamentos – 2013 – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI

http://bvsms.saude.gov.br/

http://www.sindusfarma.org.br/

http://conselho.saude.gov.br/

– Panorama ILOS 2014

Para referenciar o artigo em sua publicação, utilize:

SETEM, J. Logística na indústria farmacêutica: desafios e oportunidades na terceirização. Revista Tecnologística, São Paulo, Ano XX, n. 230, p. 36-40, jan. 2015.

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