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EVOLUÇÃO ESTRATÉGICA DO PROCESSO DE COMPRAS OU SUPRIMENTOS DE BENS E SERVIÇOS NAS EMPRESAS

A aquisição de bens e serviços a serem utilizados na produção e na revenda de produtos pode ser considerada a atividade responsável por um dos maiores componentes do custo de produção e das mercadorias vendidas. Alguns autores chegam a dimensionar a amplitude desse impacto, observando que entre 50% e 60% do custo de produção ou revenda são representados pela compra de componentes, materiais e serviços, que são adquiridos dos fornecedores externos.

Apesar da importância da função Compras, ou Suprimentos, retratada na responsabilidade pela execução dos gastos acima mencionados, ela foi considerada, durante muito tempo, uma atividade de caráter tático e de cunho administrativo dentro das organizações, tendo sempre um perfil reativo às decisões tomadas pelas outras funções (departamentos), principalmente a Produção.

O surgimento da crise do petróleo de 1973-1974 foi marcante para a atuação de Compras ou Suprimentos, porque a redução de matéria-prima no cenário mundial, decorrente da crise, demandou dessa função uma atitude mais ativa para o ressuprimento das necessidades internas das empresas. A sua atuação, durante aquele período de escassez, trouxe uma significativa atenção da organização para o setor. Ainda assim, a atuação de Compras ou Suprimentos não foi suficiente para que os altos gerentes enxergassem a sua contribuição para o resultado da empresa.

Contudo, as novas formas de gerenciamento da produção, com a introdução de conceitos como Just In Time (JIT), Gerenciamento pela Qualidade Total, redução do ciclo de produção de novos produtos, dentre outras práticas que buscavam a redução de custos e a melhoria de qualidade para maior competitividade no cenário internacional, levaram a função Compras a também ter de adotar novas práticas de gerenciamento para o setor, emergindo, então, como participante na construção de vantagens competitivas para o negócio.

O desenvolvimento de Compras ou Suprimentos será abordado neste artigo, através dos diferentes estágios da sua evolução – desde a sua submissão a outras funções até a sua posição de participante na formulação da estratégia da organização. A Figura 1 consolida os quatro estágios do desenvolvimento mencionado, classificando-os de acordo com a natureza tática ou estratégica assumida por Compras ao longo do seu aprimoramento. O próximo segmento abordará individualmente cada uma dessas fases.

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Os estágios de desenvolvimento de compras ou suprimentos

O primeiro estágio é caracterizado pela pouca agregação de valor realizada pelo setor responsável pelas aquisições de bens e serviços nas organizações. Nessa fase, os departamentos requisitantes de bens ou serviços realizam quase todas as atividades associadas à negociação da obtenção, deixando para o setor de Compras ou Suprimentos apenas a operacionalização da transação, que consiste na emissão da ordem de compra, acompanhamento da entrega e escrituração de contratos cujas cláusulas são previamente acertadas entre o setor interno requisitante e o fornecedor.

Os profissionais de Compras ou Suprimentos são meros executantes de acordos realizados por terceiros, aí incluídos seus próprios colegas de trabalho de outros departamentos. Nesse estágio, a preocupação é responder aos estímulos das outras funções dentro da organização.

Devido à falta de planejamento, uma significativa parte do tempo do pessoal de Compras ou Suprimentos é empregada para “apagar incêndios”. O restante do tempo é destinado ao trato com operações rotineiras. As medidas de desempenho do departamento e dos indivíduos estão relacionadas à eficiência e não à eficácia.

Há pouca comunicação entre o pessoal de Compras ou Suprimentos e os demais departamentos da organização, o que proporciona baixa visibilidade desse departamento perante outros setores.

No segundo estágio, as aquisições passam a ser conduzidas dentro do departamento de Compras ou Suprimentos e pelo setor competente dentro deste departamento para o tipo de mercadoria a ser obtida, ou seja, aquele que possui as habilidades necessárias para o tipo de aquisição planejada. As comunicações com os outros departamentos e usuários são incentivadas com o propósito de aprimorar o entendimento das necessidades do cliente interno.

Começa a surgir nessa fase a preocupação com redução de custos, levando a iniciativas como enxugamento do processo de cotação, otimização do fluxo logístico, comprometimento das encomendas colocadas junto ao fornecedor e informação antecipada aos fornecedores sobre previsões das necessidades de bens e serviços.

Observa-se, ainda nessa fase, uma evolução nas técnicas e nas práticas em relação à fase anterior em busca da modernização, embora ainda não seja possível verificar-se um direcionamento estratégico. Em outras palavras, Compras ou Suprimentos ainda atua de forma mecânica e independente das estratégias competitivas da empresa. Nesse estágio, são identificadas ainda algumas características adicionais, a saber:

  1. a) A medida de desempenho utilizada é baseada prioritariamente na redução de custo e na eficiência das práticas utilizadas no dia-a-dia do departamento;
  2. b) Os altos gerentes reconhecem a importância do desenvolvimento profissional dos integrantes do setor, mas ainda não enxergam o potencial do que tais profissionais podem proporcionar à organização;
  3. c) Os altos gerentes reconhecem as oportunidades existentes no desenvolvimento da função Compras ou Suprimentos para contribuir na rentabilidade do negócio; contudo, ainda se ressentem muito da insegurança proporcionada pelo próprio setor de Compras, que não se mostra de maneira proativa, tanto na solução de problemas quanto na participação nos assuntos estratégicos.

A preocupação de Compras ou Suprimentos, nos dois estágios apresentados, está voltada para questões do dia-a-dia, de cunho operacional e em um horizonte de tempo de curto prazo. Dessa forma, é possível classificar as duas etapas iniciais como de perfil tático. As práticas relacionadas abaixo ilustram possíveis rotinas observadas nos estágios um e dois e portam características táticas quanto aos efeitos proporcionados na sua execução:

  1. a) Análise das mercadorias/serviços – pesquisa dos requerimentos e características dos produtos e serviços a serem adquiridos.
  2. b) Pesquisa de mercado – identificação das características do mercado para a aquisição de mercadorias/serviços.
  3. c) Conciliação das informações de mercado com os requerimentos do consumidor interno, de modo a facilitar a aquisição das suas solicitações.
  4. d) Colocação de pedidos (ordem de compra) junto ao fornecedor.
  5. e) Acompanhamento do pedido – gerenciamento do processo de obtenção com o objetivo de acompanhar o andamento do pedido e, portanto, revelar o seu status junto ao fornecedor.
  6. f) Previsão das necessidades futuras e transmissão dessas informações aos fornecedores.
  7. g) Verificação de desempenho dos fornecedores com base nos quesitos de custo, entrega e qualidade.

A partir do próximo estágio, o foco das atividades de Compras ou Suprimentos deixa de ser essencialmente tático e começa a haver uma tendência no trato com questões mais abrangentes e de repercussão de maior prazo. No terceiro estágio, portanto, o tema central passa a ser a otimização do custo do ciclo de vida, preocupação em se adicionar maior valor para o consumidor através de análise de valor e engenharia de valor dos materiais, redução da complexidade e envolvimento do fornecedor no desenvolvimento de novos produtos.

Na terceira fase o cliente interno passa a ser chamado a participar das aquisições realizadas, garantindo que todos os aspectos técnicos e do custo total de propriedade sejam adequadamente considerados. Compras ou Suprimentos inicia a prática de suportar a estratégia competitiva da empresa através da adoção de técnicas, métodos e atividades que ofereçam fortalecimento na posição competitiva da empresa.

Nessa fase, surge o emprego de equipes com representantes dos diversos setores da organização (equipes multifuncionais) para seleção de fornecedores e aquisição de bens e serviços. A partir desse ponto os fornecedores são considerados como um recurso escasso e, portanto, cuidadosamente selecionados. O profissional da função passa a ser considerado também um recurso valioso, devido à experiência que começa a acumular no trato de questões estratégicas.

No quarto e último estágio, acontece a total integração de Compras ou Suprimentos e a estratégia competitiva da empresa com a real caracterização do seu papel estratégico na organização. Ela passa a constituir parte de um esforço conjunto com as outras funções correlatas para formular e implementar um plano estratégico no nível departamental decorrente da estratégia da empresa, além de, também junto com as outras funções, influenciar a formulação da estratégia da empresa numa relação recíproca. Em outras palavras, as atividades e estratégias definidas para a função Compras ou Suprimentos buscam suportar a estratégia competitiva da empresa e, ao mesmo tempo, serem derivadas dela. A Figura 2 mostra como ficam essas relações sob a perspectiva da hierarquia estratégica.

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Figura 2 – Ligação da estratégia de compras ou suprimentos com a estratégia da empresa
Fonte: Adaptado de Watts, Kim e Hahn

A Figura 2 representa a influência que os competidores e clientes exercem na formulação da estratégia da empresa e, também, com igual importância, reflete a ingerência que as estratégias funcionais, logicamente incluindo Compras ou Suprimentos, desempenham na construção do planejamento estratégico da empresa. Adicionalmente, o framework da figura representa a relação de dependência das estratégias funcionais perante a estratégia da organização e, ainda, a sugestão de alinhamento entre as estratégias em nível departamental da empresa, configurando-se assim a integração já mencionada.

A consolidação dessa integração é facilitada pela observação de fatores tais como a configuração da estrutura organizacional, percepção dos outros setores a respeito de Compras ou Suprimentos e disponibilidade de tecnologia de informação e amplitude de decisão, que suportam o posicionamento estratégico de Compras e Suprimentos.

A estrutura organizacional diz respeito ao acesso do departamento ao alto escalão da organização. Esse acesso condiciona a velocidade e a integridade da troca de informações entre os dois setores e nos dois sentidos. Compras ou Suprimentos precisa ter amplo e total acesso a qualquer tipo de informação proveniente do alto escalão para que possa efetivamente atuar de forma estratégica.

Uma estrutura hierárquica em que a função Compras ou Suprimentos não esteja diretamente ligada à gerência de topo impede que informações estratégicas sobre o mercado fornecedor sejam rapidamente trabalhadas pela alta gerência. Se, por exemplo, Compras não consegue transmitir, com velocidade, a informação de eventual falta de material crítico para a fabricação de um determinado item no mercado fornecedor poderá impactar a produção da empresa e, portanto, prejudicar a sua situação competitiva.

A percepção organizacional diz respeito a como as outras funções e a alta gerência consideram as atividades que são desenvolvidas no setor de Compras. Tal percepção pode assumir uma conotação negativa ou positiva. A percepção de um relacionamento antagônico com os fornecedores, por exemplo, traz uma conotação negativa e, por conseguinte, de menor status de Compras ou Suprimentos na organização, pois o comportamento estratégico e, portanto, de nível mais elevado, está orientado para a busca de relacionamento de parcerias com os fornecedores.

A percepção positiva, por outro lado, pode ser observada através da participação de Compras em atividades de significativa importância para o negócio, como, por exemplo, o seu envolvimento em processos de tomada de decisão, em que são consideradas a sua opinião e também sua influência no planejamento de longo prazo da organização.

A tecnologia de informação, por sua vez, proporciona o seu suporte, oferecendo rapidez na comunicação entre os diversos setores da empresa.

Por fim, a amplitude de decisão diz respeito à quantidade e à qualidade do conjunto de decisões de que participarão os profissionais de Compras, tais como o seu envolvimento nas decisões de previsão, identificação de fornecedores internacionais (global sourcing), redução da base de fornecedores, projetos para aquisição de bens de capital, análise de valor, qualidade e planejamento estratégico.


Strategic sourcing

A orientação estratégica da função Compras ou Suprimentos aqui desenhada proporcionou o surgimento do strategic sourcing como mecanismo de implementação prática dos conceitos estratégicos. Ele se destina ao gerenciamento, ao desenvolvimento e à integração das competências e capacidades dos fornecedores no sentido de serem obtidas vantagens competitivas para a empresa compradora. Essas vantagens podem estar relacionadas com a redução de custo, desenvolvimento de tecnologia, aprimoramento de qualidade, redução do tempo de ciclo para atendimento dos pedidos colocados pelos clientes ou, também, redução do tempo necessário para a disponibilização de novos produtos aos consumidores, além de melhoria no serviço de entrega.

Para que o processo de strategic sourcing alcance os resultados mencionados, é recomendável que a sua implementação não fique restrita ao setor de Compras e, portanto, conte com representantes dos demais segmentos da empresa, possibilitando a formação de grupos de trabalho, com participantes de marketing, contabilidade, produção, controle de qualidade, engenharia, planejamento estratégico e outros. Esses especialistas trazem experiências diversas, amplitude de conhecimento técnico e proporcionam análises mais consistentes e realistas das necessidades da empresa. Em suma, contribuem significativamente para que as questões de obtenção de bens e serviços sejam equacionadas conjuntamente, garantindo a integração já comentada.

A seleção de fornecedores, por exemplo, é uma prática que, no cenário estratégico, assume proporções bem diversas daquelas observadas na seleção tradicional, onde a análise dos candidatos ficava restrita ao setor de Compras, considerando apenas preço, qualidade e entrega. No novo ambiente, e com a participação de outros setores, consideram-se como possíveis critérios para análise – além dos mencionados – quesitos como capacidade de gerenciamento do fornecedor; capacidade de processo e tecnologia; aderência à regulamentação do ambiente; saúde financeira; programa da produção e sistemas de controle; capacidade dos sistemas de informação; estratégias, políticas e técnicas de compras para o fornecedor acima na cadeia do candidato a fornecedor; e potencial de relacionamento de longo prazo.

Outros exemplos dentro dessa mesma linha são: otimização da base de fornecedores; desenvolvimento de fornecedores; envolvimento deles no desenvolvimento de novos produtos; certificação; avaliação de fornecedores considerando outros critérios além dos tradicionalmente praticados, como, por exemplo, o impacto, em termos de custo para o comprador, proporcionado por uma entrega atrasada, ou seja, o custo de uma não-conformidade; gerenciamento da qualidade dos fornecedores; gerenciamento de relacionamento de longo prazo com os fornecedores; e aquisições globais (global sourcing).


CONCLUSÃO

Este artigo resume a trajetória experimentada pela função Compras ou Suprimentos desde a sua posição de componente burocrático dentro da organização até seu patamar de contribuição estratégica. A evolução dessa função está ligada ao processo de alinhamento da sua estratégia com a da empresa e, por conseguinte, o emprego de práticas gerenciais que contribuem diretamente para o aumento de vantagens competitivas.

Essa nova postura fortifica a importância do setor de Compras ou Suprimentos e demanda novas habilidades do pessoal envolvido para corresponder às altas responsabilidades dos atuais contornos desse Departamento. Habilidades analíticas (em particular análises financeiras), desenvolvimento de relacionamento, habilidades contratuais, gerência de projetos e desenvolvimento de estratégias e negociação são alguns exemplos de qualificações a serem exigidas dos modernos Gerentes de Compras ou Suprimentos.

A Figura 3 apresenta um referencial prático para auxiliar as empresas a classificarem o seu setor de Compras ou Suprimentos conforme o perfil das atividades nele desenvolvidas e a empreenderem modificações conforme as suas necessidades.

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Ataíde Braga é Líder em Práticas de Compras e Suprimentos do ILOS. Foi certificado pela International Society of Logistics como Professional Logistician. É autor de diversos artigos publicados em revistas e congressos no Brasil e no exterior. Sua área de pesquisa está voltada para o relacionamento entre clientes e fornecedores industriais. Sua experiência profissional compreende a responsabilidade pela aquisição de equipamentos e sobressalentes no mercado internacional para manutenção em sistemas de confiabilidade crítica.

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