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ESTRATÉGIAS PARA GERENCIAMENTO DO RISCO DE MANTER ESTOQUES

O gerenciamento do risco associado à posse e manutenção de estoques ao longo do tempo é um importante conceito a ser aplicado no gerenciamento de cadeias de suprimentos. Basicamente, este risco decorre cada vez mais (1) de ciclos de vida de produtos cada vez mais curtos, (2) da proliferação de SKUs, implicando na pulverização da demanda original agregada em razão da introdução de novos produtos de mais difícil previsão e (3) da segmentação crescente de mercados, implicando possivelmente na abertura de novos centros de distribuição ou armazéns como garantia de nível de serviço. Todos estes fatores contribuem favoravelmente para que ocorram equívocos nas decisões de alocação (localização) e reposição (quanto, quando e como) dos estoques.

Normalmente o grau de risco associado à manutenção de estoques é mensurado através da variabilidade da demanda de um determinado produto e/ou canal de distribuição, calculado como seu desvio-padrão e coeficiente de variação . Atualmente existem diversas ações em curso nas cadeias de suprimentos para aumentar o grau de previsibilidade da demanda e, conseqüentemente reduzir seu desvio-padrão, através do acesso e compartilhamento da informação de vendas obtida em tempo real junto aos consumidores. São exemplos neste sentido os programas de resposta rápida entre varejistas e fabricantes, como o ECR (Efficient Consumer Response) e outras iniciativas de ressuprimento Just-in-Time.

Os reflexos de uma maior variabilidade da demanda são percebidos imediatamente nos níveis de estoque de segurança, parcela dos estoques destinada à garantia dos níveis desejados de disponibilidade de produto sob condições de incerteza da demanda e do lead-time de ressuprimento. Estes níveis constituem uma reserva estratégica de produto, não fornecendo suporte direto ao planejamento e execução das operações comerciais, de distribuição ou de manufatura num determinado estágio da cadeia de suprimentos.

Além do acesso à informação em tempo real como forma para reduzir a variabilidade calculada da demanda num determinado estágio da cadeia, existem outras três formas de atingir este determinado objetivo, tendo como pressuposto básico a utilização de informações recentes de vendas como mecanismo acionador de atividades de logística e produção que tenham tempo de execução relativamente mais curto que o tempo de resposta exigido pelo mercado:

  • agregando a demanda através de diversas localizações, implicando num maior grau de centralização dos estoques.  Ao centralizar os estoques, retarda-se de certa maneira sua movimentação com relação ao destino final, dando origem às políticas de postergação (postponement) da distribuição física. A figura 1 ilustra estas políticas.
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  • agregando a demanda através da linha de produtos, implicando numa maior proporção de produtos semi-acabados em estoque. Manter uma maior parcela de produtos semi-acabados, implica em retardar a diferenciação final dos produtos através de operações simples de adição de valor como montagem, embalagem, pintura, colocação de acessórios etc. Esta decisão dá origem às políticas de postergação (postponement) na manufatura. A figura 2 ilustra estas operações.
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  • através de combinção das duas medidas anteriores.

Simplificadamente com relação à postergação da distribuição através da centralização física, deve ser avaliado se a redução nos níveis de estoque de segurança mais do que compensará eventuais aumentos nos gastos com transporte e nos níveis de estoque em trânsito, além das reais possibilidades de serem eliminados gastos fixos com a operação e manutenção de instalações. Por outro lado, com relação à postergação de operações finais de produção, deve ser avaliado se a redução nos níveis de estoque de segurança de produto acabado compensará eventuais aumentos nos custos de execução das operações finais de manufatura e perdas de economias de escala, uma vez que pode aumentar a proporção da parcela de gastos variáveis comparativamente aos gastos fixos. Os parágrafos a seguir comentam alguns pontos críticos que devem ser observados na implementação de políticas de postergação.

  1. POSTERGAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO

Conforme mencionado, a centralização dos estoques pode reduzir os níveis de estoque de segurança e consequentemente o nível médio de estoque em todo o sistema. Intuitivamente espera-se que quando a demanda de uma determinada região de mercado estiver acima da média, em outra região a demanda poderá estar abaixo da média, permitindo que itens alocados a um determinado armazém sejam realocados para outros. O processo de realocação ou transferência de estoques entre armazéns, contudo, pode não ser econômicamente viável num sistema de distribuição descentralizado, considerando-se o valor do produto vis-à-vis os custos unitários de transporte. A menos que os custos de transferência apresentem um caráter marginal, já havendo fluxo de produtos entre as instalações, e levando-se em consideração que num sistema descentralizado os produtos normalmente são de baixo valor agregado, não se justifica a viabilidade econômica desta operação.

Além disto, quanto maior for o coeficiente de variação, maiores serão os benefícios obtidos com a centralização física dos estoques. Isto ocorre por que os níveis de estoque médio envolvem dois componentes: um proporcional à demanda média esperada entre dois ressuprimentos consecutivos e o outro proporcional ao desvio padrão ou variabilidade esperada da demanda neste intervalo de tempo.

Finalmente, os benefícios da centralização física dos estoques dependem fortemente do comportamento da demanda de uma determinada região de mercado em relação às demais. Por exemplo, as demandas em dois mercados quaisquer apresentam correlação positiva se for bastante plausível que a demanda ao aumentar num determinado mercado, também aumente no outro mercado. De modo análogo, quando a demanda cai abaixo da média num determinado mercado, no outro também ocorre a mesma situação. Intuitivamente, o benefício da centralização dos estoques é proporcionalmente menor na medida que a correlação entre as demandas dos dois mercados torna-se cada vez mais positiva.

A figura 3 ilustra graficamente para dois centros de distribuição situações em que as demandas são positivamente correlacionadas, e não há potencial para reduções expressivas nos níveis de estoque de segurança com a centralização, e situações em que as demandas são negativamente correlacionadas, havendo reduções expressivas nos estoques de segurança com base na compensação de variações para mais e para menos da demanda nos dois centros de distribuição.

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Considere a rede logística apresentada na figura 1. A Tabela 1 apresenta a demanda verificada ao longo de dez semanas para cada um dos dois centros de distribuição, além de sua média, desvio-padrão e coeficiente de variação. Para encontrar a demanda total da rede, deve ser adicionada a demanda de cada centro de distribuição, observando-se que a demanda média da rede logística é a soma das demandas médias de cada centro de distribuição, mas que o desvio-padrão e o coeficiente de variação da rede não são respectivamente a soma dos desvios e dos coeficientes de cada centro de distribuição.

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O fato da variabilidade da demanda quando considerada a rede logística como um todo (desvio-padrão de 9,5 unidades) ser substancialmente menor que a soma das variabilidades das demandas alocadas a cada centro de distribuição (9,5 + 9,1 = 18,6), indica um forte potencial para redução dos estoques de segurança proporcionado pela centralização. Especificamente neste exemplo, há um potencial para redução de 48,9% nos níveis de estoque de segurança (1 – 9,5 / 18,6) . Este potencial pode converter-se em reduções substanciais nos custos logísticos totais em circunstâncias nas quais os produtos são normalmente centralizados: alto valor agregado, pequeno giro, elevada perecebilidade/obsolescência, pequeno peso ou volume etc.

Por outro lado, a demanda contida na tabela 2 para cada um dos centros de distribuição e para a rede logística, aponta que sua variabilidade (desvio-padrão de 12,5 unidades) é ligeiramente inferior à soma das variabilidades dos dois centros de distribuição (9,5 + 4,1 = 13,6), havendo potencial para redução de pouco mais de 8% nos níveis de estoque de segurança. Uma leitura inversa que pode ser feita com base neste resultado é que se a centralização física dos estoques reduziria em apenas 8% os níveis de estoque de segurança, sua descentralização física poderia apresentar também impactos reduzidos em termos de aumentos nos níveis de estoque de segurança, dependendo de qual região se mercado seria utilizada como ponto de partida para desagregação da demanda.

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Este resultado pode ser interessante sob a ótica do custo logístico total em circunstâncias que favorecem à descentralização dos estoques: baixo valor agregado, potencial para explorar economias de escala no transporte, elevado giro, pequeno risco de perecebilidade ou obsolescência, peso ou volume considerável.

POSTERGAÇÃO DA MANUFATURA

Um dos conceitos mais difundidos em gestão de estoques é o fato da informação agregada da demanda ser sempre mais precisa que a desagregada. Desta forma, a demanda pode ser prevista com maior precisão para um país que para uma cidade, para uma linha completa de produtos que para um único modelo etc. Infelizmente, no ambiente de planejamento e tomada de decisão na manufatura previsões agregadas não são empregadas com facilidade ou freqüência, já que o gerente de manufatura deve saber exatamente a quantidade de cada item antes de iniciar a produção. Na adoção de políticas de postergação da manufatura é possível utilizar informações mais agregadas da demanda no planejamento das operações. Para isto, torna-se necessário redesenhar o processo de manufatura (e eventualmente o projeto do produto) de forma a que decisões sobre quais produtos específicos devem ser produzidos sejam retardadas pelo menos até que os produtos semi-acabados tenham sido concluídos (confira figura 2).

É importante notar que se algumas etapas da manufatura são postergadas, os produtos semi-acabados terão um menor valor adicionado que os acabados, implicando, portanto, em menores custos de oportunidade de manter estoques. Em alguns casos, impostos e taxas a serem recolhidas são menores para produtos semi-acabados ou não configurados que para produtos acabados. Ao completar o processo de manufatura num centro de distribuição próximo ao local de consumo dos produtos, pode ser possível reduzir a carga tributária incidente. Entretanto, nem sempre é possível implementar a postergação da manufatura. Os lead times de produção podem ser demasiadamente longos, ou talvez seja necessário aproveitar economias de escala no transporte e na produção, sobretudo quando os produtos são de baixo valor adicionado.

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A figura 4 ilustra graficamente para três SKUs uma situação típica onde suas demandas ao longo do tempo são negativamente correlacionadas, ou seja, quando há aumento das vendas de um SKU verifica-se necessariamente queda em pelo menos um outro. Esta situação é bastante comum em fabricantes de bens de consumo não duráveis, onde, em função do crescente número de SKUs lançados, há o efeito conhecido como “canibalismo” entre produtos. Em outras palavras, o incremento das vendas de um determinado SKU ocorre em detrimento da redução nas vendas de outro SKU produzido pela mesma empresa, e não em função de crescimento da parcela de mercado. Nestas situações a adoção de políticas de postergação das operações finais de manufatura pode contribuir sensivelmente para a redução nos níveis de estoque de segurança de produto acabado.

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De modo análogo às outras duas tabelas anteriores, a Tabela 3 indica que a variabilidade da demanda para o produto básico (desvio-padrão de 9,5 unidades) é menor que a soma das variabilidades individuais dos três tipos de SKUs (9,5 + 7,0 + 7,0 = 23,5). Este potencial para reduções nos níveis de estoque de segurança pode converter-se em reduções substanciais nos custos logísticos totais em circunstâncias que favorecem a postergação da manufatura: inexistência de economias de escala nas operações finais, curto tempo de resposta, maior proporção de custos variáveis relativamente aos custos fixos, a operação adiciona substancial valor ao produto na perspectiva do cliente final etc.

CONCLUSÃO

Este artigo apresentou duas estratégias emergentes em diversas cadeias de suprimentos para gerenciar o risco de manter estoques: a postergação da distribuição e a postergação da manufatura. A crescente proliferação de produtos e mercados atendidos está levando diversas empresas a repensar questões como a localização dos estoques (maior ou menor grau de centralização) e o encadeamento das operações de produção ao longo do tempo (produção para estoque ou produção contra-pedido). Percebe-se que análises do perfil da variabilidade da demanda por produto e por centro de distribuição, conforme as exemplificadas neste texto, são extremamente úteis para a tomada destas decisões, uma vez que as mesmas indicam o potencial para redução dos estoques de segurança. Sua adoção deve ocorrer em concomitante a elaboração de um quadro conceitual relativo às características da operação, produto e mercado em questão.

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https://ilos.com.br

Doutor em Ciências em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e visiting scholar do Departamento de Marketing e Logística da Ohio State University. Possui os títulos de Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e de Engenheiro de Produção pela Escola de Engenharia da mesma universidade. Professor Adjunto do Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ, coordenador do Centro de Estudos em Logística. Atua em atividades de ensino, pesquisa, e consultoria nas áreas de localização de instalações, simulação de sistemas logísticos e de transportes, previsão e planejamento de demanda, gestão de estoques em cadeias de suprimento, análise de eficiência de unidades de negócio e estratégia logística. Possui mais de 60 artigos publicados em congressos, revistas e periódicos nacionais e internacionais, tais como o International Journal of Physical Distribution & Logistics Management, International Journal of Operations & Production Management, International Journal of Production Economics, Transportation Research Part E, International Journal of Simulation & Process Modelling, Innovative Marketing e Brazilian Administration Review. É um dos organizadores dos livros “Logística Empresarial – A Perspectiva Brasileira”, “Previsão de Vendas - Processos Organizacionais & Métodos Quantitativos”, “Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos: Planejamento do Fluxo de Produtos e dos Recursos”, “Introdução ao Planejamento de Redes Logísticas: Aplicações em AIMMS” e “Introdução ao Planejamento da Infraestrutura e Operações Portuárias: Aplicações de Pesquisa Operacional”. É também autor do livro “Gestão de Estoques na Cadeia de Suprimento – Decisões e Modelos Quantitativos”.

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