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DIFERENÇAS NAS PRÁTICAS DA TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: PERSPECTIVAS DE EMPRESAS CONTRATANTES E PSLS

A indústria de terceirização logística no Brasil continua a crescer. De acordo com Fleury (2013), a receita anual média por transportador no Brasil cresceu 19% entre 2002 e 2012. A indústria também vem se tornando cada vez mais concentrada, graças a um intenso movimento de fusões e aquisições. Da mesma forma, essa indústria tem observado a entrada de empresas embarcadoras e provedores de serviços logísticos (PSLs) internacionais. Entretanto, as empresas embarcadoras e os PSLs enfrentam muitos desafios na gestão da logística no Brasil, tais como a baixa provisão e qualidade da infraestrutura de transportes, excesso de burocracia e complexidade do desembaraço aduaneiro.

Um aspecto não tão discutido diz respeito ao desafio de gerenciar relacionamentos de terceirização logística entre empresas brasileiras e estrangeiras. Naturalmente, empresas de origens distintas possuem diferentes bases culturais e, normalmente, seguem processos variados. Assim, quando companhias de países, perfis e práticas diferentes interagem, existe uma maior probabilidade de conflitos e tais diferenças podem ser contraproducentes. Dessa forma, é importante sempre entender as perspectivas de parceiros comerciais para desenvolver relacionamentos bem-sucedidos.

Com vista a identificar diferenças relevantes entre as práticas de terceirização logística no Brasil ante as práticas conduzidas nos Estados Unidos – um dos mais importantes parceiros comerciais do Brasil –, pesquisadoras da Sam M. Walton College of Business, Universidade de Arkansas (EUA), entrevistaram 11 executivos (Tabelas 1 e 2) afiliados a PSLs e empresas contratantes e com vasta experiência na terceirização logística nesses dois países (BARRANECHEA, 2011). Os participantes descreveram e compararam o processo de se trabalhar com PSLs (ou empresas contratantes de serviços logísticos) no Brasil e nos EUA.

Tabela 1 – Participantes com base nos EUA

Fonte: Barranechea, 2011

 

Tabela 2 – Participantes com base no Brasil

Fonte: Barranechea, 2011

 

É importante destacar que, como as entrevistas foram conduzidas com um número pequeno de profissionais, não se pode concluir que tais observações representam a realidade de todas as empresas. Entretanto, as semelhanças nas respostas dos participantes indicam que diferenças existem. Assim, é imprescindível que empresas e PSLs brasileiros entendam as expectativas, processos e práticas de empresas estrangeiras nos seus países de origem. Da mesma forma, empresas estrangeiras operando no Brasil necessitam compreender as práticas da terceirização logística no país. Entender essas percepções e práticas pode facilitar negociações e o desenvolvimento do relacionamento entre parceiros comerciais, além de promover uma vantagem competitiva no mercado.

Três categorias principais emergiram ao se consolidarem as informações de todos os entrevistados: operações, seleção/contratos e relacionamentos

 

Operações: infraestrutura, burocracia e distorções de taxas representam sérios gargalos no Brasil

Há muitos pontos em comum relacionados às operações de terceirização logística nos EUA e no Brasil. Primeiramente, pesquisas no Brasil (FLEURY, 2013) e nos EUA (ARMSTRONG & ASSOCIATES, 2013) indicam que a indústria de terceirização logística continua a crescer nos dois países. PSLs também oferecem uma ampla variedade de serviços logísticos, de gestão de transportes a serviços mais especializados e com alto uso de sofisticadas tecnologias da informação, tais como gestão do supply chain e consultoria.

Outro ponto em comum é que as empresas embarcadoras ainda subcontratam serviços logísticos com o objetivo principal de reduzir custos e, de uma forma geral, ainda consideram a logística e o supply chain muito estratégicos para serem terceirizados. Assim, as atividades mais terceirizadas nos dois países são aquelas relacionadas ao transporte. No Brasil, as atividades mais terceirizadas são: transporte de suprimento, transporte de distribuição e transporte de transferência (FLEURY, 2013). Atividades de transporte também são as mais terceirizadas nos EUA, seguidas de armazenagem (ARMSTRONG & ASSOCIATES, 2013). Já as atividades de gestão integrada das operações logísticas e gestão de estoque são as menos terceirizadas nos dois países.

As principais diferenças notadas pelos participantes se referem a desafios estruturais existentes no Brasil que não são tão evidentes nos EUA. Primeiramente, as limitações e a baixa qualidade da infraestrutura de transportes, a dependência excessiva do modal rodoviário e as distorções nos impostos sobre movimentação de cargas no Brasil, levam a redes subotimizadas e de baixa produtividade. Reduzida velocidade operacional e falta de segurança também promovem um custo logístico mais elevado, em decorrência de um custo de transporte mais alto e maiores níveis de estoque. Os participantes notam, entretanto, que melhorias e investimentos em infraestrutura estão sendo feitos e que suas empresas continuam a expandir suas estruturas de armazenagem no Brasil.

 

Seleção de PSLs e contratos: relacionamento estabelecido é prioridade no Brasil

De acordo com os participantes, as empresas contratantes nos EUA são, de uma forma geral, mais cautelosas na seleção dos seus PSLs do que no Brasil. Naquele país, as empresas contratantes priorizam qualidade, serviço e custo (nesta ordem). A seleção é conduzida de forma gradual. Primeiramente, a equipe responsável faz uma pré-seleção de um grupo de 12 a 15 PSLs. Após uma avaliação, esse grupo é reduzido para entre duas e cinco empresas e se continua a fazer uma avaliação da qualidade, até a decisão final.

De acordo com os entrevistados, se tais processos para seleção de PSLs são adotados no Brasil, geralmente é porque a empresa contratante, ou mesmo o próprio PSL, é uma empresa americana seguindo os procedimentos da sede. De acordo com os participantes, companhias brasileiras põem menor ênfase em tais critérios de seleção e dão prioridade à reputação do PSL no mercado, ou priorizam PSLs com os quais já têm um relacionamento, como notado por um dos participantes:

“Muitas vezes, nós (indústria de PSLs nos EUA) tentamos impor no Brasil a ideologia de conduzir relacionamentos de terceirização logística seguida nos EUA e falhamos em escutar a perspectiva brasileira. Aqui no Brasil, precisamos de tempo para conhecer as pessoas e conversar antes de entrar nos detalhes do negócio propriamente dito. Nos EUA, apenas uma reunião já é suficiente”. (Participante 11, vice-presidente de um PSL responsável pela América Latina).

Um ponto interessante a destacar é que, nos EUA, não apenas empresas contratantes mas também PSLs “selecionam” clientes. Um dos participantes, diretor de Soluções de Rede Globais para um PSL, destacou que eles avaliam a atratividade do cliente antes de aceitar o contrato. Por exemplo, “se a empresa apenas prioriza o frete; não deseja nenhuma integração de sistemas; se troca de PSLs com muita frequência; se o produto que ela move é de muito baixo custo, ou se ela é excessivamente focada na redução de custos”, então tal empresa não é um cliente atrativo.

A ideia é que empresas com uma margem de lucro tão baixa provavelmente não têm condições de investir num relacionamento com um PSL que duraria um tempo suficiente para ser lucrativo. Um segundo fator considerado se refere ao perfil das operações de logística de tal empresa contratante. Se, por exemplo, ela transporta contêineres entre a China e os EUA, o serviço prestado teria como foco apenas o tempo de viagem e o frete por contêiner, o que seria muito repetitivo. Da mesma forma, o transporte seria muito comoditizado e faltariam oportunidades para o PSL inovar e incrementar seus lucros.

Embora os contratos nos EUA e no Brasil sejam, de forma geral, de curta duração, outro ponto em comum – na opinião dos entrevistados – é que os contratos no Brasil são menos detalhados do que os americanos. No Brasil, mais importante do que um contrato detalhado são os mesmos fatores que apoiam a seleção dos PSLs: o fato de ter um relacionamento já estabelecido com o PSL ou sua reputação com relação à atividade desejada.

Dessa forma, os entrevistados acreditam que os contratos não são tão importantes para os clientes de PSLs no Brasil se comparados com as empresas contratantes nos Estados Unidos. Um dos entrevistados, diretor de Vendas de um PSL responsável por toda a América Latina, por exemplo, destaca que uma empresa contratante no Brasil, de uma forma geral, não requer contratos no Brasil. Quando tais contratos são requeridos, na maioria das vezes é em decorrência do fato de tal empresa ser uma multinacional e, portanto, necessitar seguir os protocolos da sede localizada no exterior.

 

Relacionamento entre PSL e contratante: obstáculos para a confiança e inovação

Os entrevistados concordam que, de uma forma geral, PSLs no Brasil e nos EUA continuam a ganhar uma posição mais estratégica nas operações de seus clientes. Essa evolução, porém, é lenta e tal parceria estratégica, em termos de comprometimento e colaboração entre empresas contratantes e PSLs, está em fase inicial de evolução nos dois países (Figura 1).

Figura 1 – Comparativo do estado atual do papel dos PSLs no Brasil e EUA de acordo com os participantes

Fonte: Barranechea, 2011

No Brasil, em particular, os PSLs ainda não desenvolveram tal relacionamento estratégico com clientes de médio porte. Na maioria dos casos, empresas contratantes apenas terceirizam serviços mais simples, tais como transporte e preparação de documentos. Eles revelam que, a não ser que exista um relacionamento prévio com o PSL, é bem provável que empresas contratantes não tenham confiança suficiente para delegar ao prestador de serviços um papel mais estratégico. De acordo com os entrevistados, tais relações estão mais como “um relacionamento transacional mais amadurecido, mas ainda de natureza transacional”.

PSLs têm um papel fundamental na mudança desse cenário. Um dos PSLs entrevistados destacou que “este comportamento das empresas contratantes no Brasil é histórico e está enraizado na cultura deles. Nós, PSLs, precisamos treinar nossas equipes diferentemente. Temos de ser os primeiros a demonstrar que somos confiáveis e então os clientes, em troca, serão mais honestos conosco”.

Um ponto importante destacado pelos entrevistados é que, nos EUA, parece ser mais fácil desenvolver a confiança entre empresas contratantes e PSLs, bem como ter a oportunidade de prover serviços mais estratégicos. Essa percepção pode ser verificada em pesquisas realizadas com empresas embarcadoras globais (CAPGEMINI et al., 2012), que mostram percentuais mais altos de serviços estratégicos terceirizados nos EUA do que na América do Sul (Figura 2). Os participantes afirmam que, na experiência deles, foi mais fácil ir além de uma simples execução de transações para um papel de planejamento e execução das operações dos clientes nos EUA do que no Brasil. Isso porque, de acordo com os entrevistados, as empresas contratantes nos EUA estão mais dispostas e menos reticentes em dividir seus objetivos estratégicos e trabalhar conjuntamente com os PSLs para atingi-los.

Figura 2 – Percentual de serviços terceirizados nas Américas do Norte e do Sul

Fonte: Capgemini, 2012

 

Da mesma forma, os participantes notam que o processo de implementação de mudanças no Brasil ainda é mais lento do que nos EUA. Um dos participantes notou que, para implementar mudanças nas operações ou inovações: “o que levaria uns três telefonemas e alguns memos e análises nos EUA, demora entre seis e oito meses no Brasil”. Eles ressaltam que o ambiente brasileiro, imerso em burocracia excessiva e falta de confiança nas autoridades e governo, contribui para isso.

Outro motivo levantado pelos entrevistados foi relativo ao papel mais forte da hierarquia organizacional no Brasil quando comparada aos EUA. Os profissionais tomam menos riscos nas suas decisões por receio de cometer erros e da provável retaliação por parte do supervisor. Eles afirmam que, da mesma forma, os PSLs no Brasil se sentem menos à vontade do que nos EUA para apontar deficiências nas operações dos clientes. Esse comportamento, de acordo com os entrevistados, prejudica o desenvolvimento de um relacionamento estratégico entre PSLs e empresas contratantes no Brasil.

Os participantes apontam que isso existe também dentro das empresas contratantes. Um PSL americano operando no Brasil pode até não hesitar em apontar a necessidade de modificar ou melhorar o gerenciamento da logística no cliente, mas existe a dificuldade de “vender” a ideia da necessidade da mudança para ele. Um dos entrevistados, vice-presidente responsável pela América Latina de um PSL, afirmou que, no Brasil, “muitas vezes, quando tentamos vender uma ideia inovadora para um cliente, nosso contato pode até concordar conosco, mas acaba nunca repassando a proposta para seu chefe”.

Essa realidade é um contraste se comparada aos EUA, onde gerentes e funcionários são mais abertos no momento de expressar suas opiniões. O participante 3, diretor global de um PSL americano por mais de 30 anos, explicou que “nos EUA, o cliente não é Deus, mas apenas um ser humano. Mesmo se tal pessoa é o presidente da empresa, existe um respeito por sua experiência e conhecimento, mas se ele diz alguma coisa relacionada ao supply chain management, eu o olho nos olhos de igual para igual – nós dois podemos ser honestos um com o outro. Isso não existe na China, por exemplo”. De fato, no atual ambiente de negócios altamente competitivo, empresas contratantes sofrem uma pressão tremenda para atingir um altíssimo desempenho na gestão de seu supply chain, e por isto precisam e desejam que seus PSLs parceiros tenham a capacidade de ter uma conversa franca, de igual para igual; o que só pode ser atingido num relacionamento de parceria.

 

As diferenças existem: o que fazer?

A solução não é simples, mas, de uma forma geral, empresas brasileiras e americanas operando no Brasil podem tirar lições dessas entrevistas. A mensagem deste artigo é muito simples. É relevante que PSLs americanos com intenção de operar no Brasil ou servir empresas contratantes brasileiras entendam que, muitas vezes, ainda mais importante do que um contrato detalhado é o desenvolvimento de um relacionamento duradouro e comprometido. Da mesma forma, é importante que esse PSL seja capaz de desenvolver canais de comunicação adequados para as empresas contratantes interessadas em terceirizar serviços mais estratégicos e para aquelas interessadas apenas em terceirizar os mais simples, o que ainda é bastante comum no Brasil. A confiança é construída mais lentamente, mas a fidelidade do cliente brasileiro será alta. Para PSLs brasileiros, é importante notar que potenciais clientes americanos esperam um contrato mais detalhado e desejam que o PSL seja mais proativo em notar deficiências em suas operações, apresentar soluções ou oferecer serviços que atendam a tais soluções. Assim, é importante desenvolver um ambiente que incentive a tomada de decisões independentes. É preciso notar, também, que para um cliente americano é mais fácil terminar um relacionamento com um PSL em comparação ao brasileiro. Existe uma menor fidelidade ao PSL.

Será que as práticas observadas nos EUA são melhores do que as do Brasil? Não necessariamente. Estudos independentes realizados no Brasil e nos EUA (FLEURY, 2013; ARMSTRONG & ASSOCIATES, 2013) observam um alto nível de satisfação de empresas contratantes nos dois países. Nenhuma das realidades é perfeita e ambos os lados têm aspectos positivos e negativos. Por exemplo, enquanto um melhor detalhamento dos contratos leva à cooperação graças ao melhor entendimento das responsabilidades das partes, uma ênfase excessiva no detalhe contratual em detrimento do relacionamento pessoal não necessariamente leva a melhores resultados operacionais ou melhores níveis de satisfação do cliente. Foco no relacionamento duradouro ou uma orientação de longo prazo (o que é mais forte no Brasil) leva a uma redução de conflitos, pois se acredita que o parceiro comercial tem as melhores intenções no relacionamento e a sua continuidade é uma prioridade.

Então, qual a melhor estratégia a seguir? Impor a cultura ou práticas de seu país de origem no país estrangeiro sem qualquer adaptação seria um erro. São notórios os exemplos de empresas que falharam em tentar implementar as estratégias, seja de produto ou serviço, de seus países de origem sem adaptá-las para os mercados internacionais. É importante e necessário adequar suas estratégias de negócios para cada mercado e, com o tempo, buscar seu aprimoramento por meio do aprendizado adquirido com sua experiência em mercados internacionais. Assim, é importante que todas as empresas envolvidas na terceirização logística no Brasil, PSLs e clientes brasileiros e estrangeiros, entendam tais diferenças para que se alinhem às expectativas de forma a melhorar a coordenação das operações e, daí, construir relacionamentos de terceirização logística bem-sucedidos e satisfatórios para todos os envolvidos.

 

Referências

ARMSTRONG & ASSOCIATES, INC. 2013. Trends in 3PL/Customer Relationships – 2013. www.3PLogistics.com

BARRANECHEA, M. V. 2011. Logistics Outsourcing in Brazil and the U.S.: An Institutional Theory Perspective. www. libinfo.uark.edu

CAPGEMINI, PENNSTATE, PANALPINA, HEIDRICK & STRUGGLES, EYEFORTRANSPORT. 2012. 2012 Third-Party Logistics Study: The State of Logistics Outsourcing. http:// www.3plstudy.com

FLEURY, P. F. 2013. 10 anos de terceirização logística no Brasil. XIX Fórum Internacional de Logística, Rio de Janeiro.

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