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DESAFIOS DA LOGÍSTICA NA AMÉRICA LATINA

Entre 2003 e 2012, a América Latina apresentou crescimento médio de cerca de 4% ao ano. Ao longo desse período a representatividade das exportações aumentou.

Tradicional produtor de matéria-prima a região viu a participação desse grupo de produtos crescer significativamente. Para se ter uma ideia, em 2011, as exportações de matéria-prima representavam 60% das exportações totais da América Latina, em comparação com 40% em 2000. Esse maior volume movimentado expôs as deficiências e os gargalos logísticos do continente. Portos congestionados, falta de capacidade ferroviária e estradas ruins são problemas comuns a muitos países da região.

Outro ponto não menos importante são as dificuldades de transportar mercadorias entre os países da América Latina. A falta de documentação única e as diferentes legislações fazem com que muitas empresas tenham custos de transporte elevados e, assim, percam competitividade.

Este artigo tem como objetivo apresentar algumas das dificuldades da logística na América Latina e como isso pode contribuir de forma negativa para as empresas.

 

A importância da infraestrutura


Uma boa infraestrutura é essencial para o crescimento econômico. Quando a infraestrutura não é adequada às necessidades econômicas da região, ela pode contribuir de forma negativa nos custos das empresas. Apenas para citar um exemplo, uma viagem rodoviária de 500 quilômetros pode ser feita em um dia se estivermos trafegando na Rodovia Presidente Dutra (BR-116) entre o Rio de Janeiro e São Paulo, mas também pode durar dias se estivermos falando de 500 quilômetros em estradas no interior do Pará ou Amazonas.

Além de afetar a distribuição no mercado interno, uma infraestrutura inadequada prejudica também a competitividade dos produtos a serem exportados. A falta de investimento em outros modais tem feito com que o transporte rodoviário seja o mais utilizado na América Latina, o que contribui para que os custos de transporte na região fiquem acima da média mundial. Um exemplo do uso inadequado deste modal é a exportação da soja brasileira do estado do Mato Grosso. Essa soja chega a ter um custo de transporte interno até o porto cerca de 5 a 6 vezes superior à soja norte-americana. Isso acontece porque a soja brasileira percorre até 2.000 quilômetros em rodovias, enquanto grande parte da soja nos Estados Unidos faz praticamente todo o percurso até o porto por hidrovia[1].

A baixa qualidade e disponibilidade da infraestrutura não é característica exclusiva do Brasil. Em um estudo divulgado de dois em dois anos, o Banco Mundial mostra que a média dos países da América Latina e do Caribe está bem abaixo das registradas nas regiões do Leste da Ásia e Pacífico e da Europa e Ásia Central.

Apontado pelo Banco Mundial como o país de melhor infraestrutura de transportes na região, o Chile desponta no ranking de 160 países apenas na 41ª colocação em termos de infraestrutura, a frente do México (50), Panamá (52), Brasil (54) e Argentina (63)[2]. Em geral, esses países são extremamente dependentes do modal rodoviário, com poucos quilômetros de ferrovias e portos congestionados. Como consequência, o crescimento econômico pode encontrar dificuldades, ser limitado e ameaçado.

Parte da dificuldade encontrada hoje é explicada por fatores históricos. A América Latina foi explorada durante anos pelos colonizadores, e boa parte da sua infraestrutura logística foi projetada, inicialmente, para exportar a produção. Não se pensava em circular a mercadoria no continente e, sim, enviá-la à Europa.

Como exemplo desta distorção é possível citar a própria construção das ferrovias. Diferentemente da Europa, onde as vias férreas foram projetadas para interligar o continente, na América Latina, as ferrovias não se conectam, tendo sido planejadas apenas para escoar a produção do centro produtor para os portos. Além disso, cada país tem uma bitola diferente (ao todo são sete tipos diferentes de bitolas, sendo três na América Central), o que não permite fluidez no transporte intercontinental.

A interligação rodoviária, apesar de mais simples, também enfrenta problemas, tanto pela geografia da região, que tem a Cordilheira dos Andes e a Floresta Amazônica como barreiras naturais, como pela falta de uma política unificada que permita, de forma simples, a movimentação dos caminhões entre os países.

Os países da América Latina dependem fortemente de transporte rodoviário. No Brasil, cerca de 60% do TKU são movimentados por rodovias; na Colômbia esse número chega a 77%, e no México, a 90%. Ou seja, utiliza-se muito o modal rodoviário que, em geral, não é o mais barato e, em alguns casos, nem o mais adequado. Para efeito de comparação, na China apenas 21% do TKU passa pelas estradas e nos Estados Unidos, 31%.

O transporte rodoviário também tende a ser mais lento, principalmente quando a qualidade das vias não é boa. O baixo investimento na infraestrutura rodoviária ao longo do tempo reflete no baixo percentual de estradas pavimentadas na América Latina, que gira em torno de 20%. Além de não pavimentadas, muitas estradas têm restrições de circulação em pontes e viadutos. Outro problema é o acesso às principais cidades e aos principais portos. A falta de anéis viários compromete o tráfego e acaba por congestionar ainda mais as vias, deixando o trânsito mais pesado e lento.

Tabela 1 – Percentual de estradas pavimentadas versus percentual de quilômetros de estradas

Fonte: ILOS, IDB

 

Além de dificultar a interligação da região, as barreiras naturais como a Cordilheira dos Andes e a Bacia do Rio Amazonas levam a traçados sinuosos, que acabam afetando a velocidade média nas estradas da América Latina. A região também é prejudicada pela falta de conservação de suas vias, o que leva a uma velocidade média entre 10 e 60 km/h. Estima-se que na estrada que liga o Brasil ao Chile, passando pela Argentina, no trecho conhecido como “Los Caracoles”, um percurso de 15 km com 28 curvas em forma de cotovelo, a velocidade das carretas fique entre os 5 e 20 km/h. Já no trecho da BR-319, no estado do Amazonas, a velocidade média fica abaixo dos 10 km/h devido ao mal estado de conservação da via. Lamas e buracos fazem parte do dia a dia de quem precisa passar por esta rodovia federal brasileira.

É claro que o fato de andar mais devagar contribui para o aumento do custo do transporte. Não à toa, a representatividade média do custo de transporte em relação ao PIB na América Latina é de 6,4%, enquanto nos EUA é de 4,8%. Para as empresas, não só o custo de transporte aumenta, mas também o de estoque, pois, para minimizar as incertezas no deslocamento e garantir o abastecimento, muitas aumentam o nível do estoque de segurança.

Tabela 2 – Participação do transporte no PIB

Fonte: ILOS, IDB

 

Os problemas que afetam a infraestrutura rodoviária não são os únicos presentes na infraestrutura de transportes da América Latina. Como dito anteriormente, é possível também identificar gargalos em outros modais.

Embora a década de 90 tenha sido o período da privatização das ferrovias na América Latina, com grandes investimentos nos anos subsequentes, a situação do modal ainda é preocupante. Atrasos na ampliação da malha e na renovação da frota de vagões e locomotivas em vários países dificultam a expansão das ferrovias latino-americanas. Até hoje, são pouquíssimas as conexões ferroviárias existentes entre os países e, quando existem, muitas vezes apresentam diferentes bitolas o que complica e encarece a operação. Outro problema existente é que em alguns trechos não há capacidade para que os trilhos suportem o peso dos trens quando estão com ocupação máxima.

Diferentemente da Europa, na América Latina, as ferrovias estão focadas majoritariamente em cadeias que envolvem a movimentação de granel. Algumas linhas são dedicadas exclusivamente ao atendimento de grandes clientes com instalações de carga própria e operam em portos privados, como os minérios de ferro no Peru, Brasil e Chile, a celulose no Chile e o carvão na Colômbia. No caso dos grãos, existe uma maior diversidade de terminais e operadores tanto na Argentina quanto no Brasil.

Assim como as ferrovias, diversos portos também foram privatizados na América Latina na década de 90. A privatização trouxe um aumento de produtividade em vários terminais, embora ainda seja comum que alguns não tenham profundidade adequada no canal de acesso ou nos berços. Outro ponto comum entre os portos do continente é a dificuldade nos acessos terrestres. Muitas cidades cresceram ao redor dos portos, dificultando a expansão e contribuindo para um maior congestionamento dos acessos por terra.

 

A falta que faz uma regulação única de transporte


Aspectos institucionais e regulatórios também atrapalham a fluidez e o desenvolvimento do transporte e do comércio na América Latina. Com características bem particulares, cada país opera de forma única. Como exemplo, é possível citar os diferentes documentos que precisam ser preenchidos e entregues cada vez que um produto cruza a fronteira de um país. Em alguns países, os próprios sistemas da fronteira não são confiáveis. Na Bolívia, essa falta de confiança faz com que o tempo gasto pelas empresas seja maior. Outro exemplo que pode ser mencionado é a própria organização dos agentes públicos envolvidos, que varia de país para país, com algumas aduanas operando 24 horas por dia e outras, apenas em horário comercial.

Exemplos de aspectos institucionais e regulatórios:

Figura 1 – Exemplos de aspectos institucionais e regulatórios

Fonte: CEPAL

 

Em geral, na América Latina, o deslocamento de uma carga é mais lento e complexo. As normas em vigor impedem que um caminhão trafegue em vários países. Assim, é mais rápido dirigir um caminhão no Brasil até a fronteira com a Argentina, mudar a carga para um veículo argentino, cruzar a fronteira e levar a carga até o destino final.

Vale lembrar que as políticas aduaneiras no continente são muito voláteis e mudam com frequência, com base nas relações entre os países. Ou seja, o que vale hoje pode não valer mais amanhã e essa instabilidade acaba por afugentar possíveis investidores. Não à toa, algumas indústrias mantêm capacidade ociosa de produção no Brasil ou na Argentina, permitindo uma adaptação mais rápida quando ocorrem mudanças nas taxas de câmbio, políticas fiscais, ou quando há questões de fronteira.

Fora esses aspectos institucionais e regulatórios, há ainda problemas com segurança, como roubos de equipamentos, carga e acidentes. Esse problema é maior no Brasil e no México, não por acaso, países que registram as maiores taxas de utilização de GPS.

A falta de segurança prejudica a operação e contribui para perda de competitividade das empresas, devido ao aumento no valor do seguro e, consequentemente, nos custos da operação. A estimativa é que as empresas no México gastam entre 15% e 20% do seu investimento em logística apenas com segurança. Já na Argentina, as perdas originadas de assaltos a caminhões correspondem entre 4% e 9% do volume movimentado.

O fato é que uma infraestrutura inadequada, associada a deficiências institucionais e regulatórias, faz com que o custo logístico dos países na América Latina seja maior do que em mercados mais desenvolvidos. De fato, vários estudos indicam que os custos de logística da América Latina variam entre 10% e 15%.

Tabela 3 – Representatividade do custo logístico em relação ao PIB

Fonte: ILOS e Armstrong

 

Conclusão


São muitos os desafios para as empresas que operam na América Latina. Atualmente, a infraestrutura ruim vem contribuindo para maiores custos logísticos e consequentes quedas de competitividade dos produtos da região.

O governo de cada país tem papel fundamental no desenvolvimento da logística na América Latina, já que é ele o responsável pelo investimento em infraestrutura.

Também é preciso que ocorra um trabalho conjunto entre os países da América Latina para eliminar ou minimizar as questões burocráticas, que dificultam a circulação de mercadorias no continente.

Transitar entre os países de forma mais fácil contribuirá não só para alavancar o comércio interno, como pode facilitar o escoamento da exportação. É interessante para o Brasil uma saída pelo Oceano Pacífico, assim como é para o Peru uma saída pelo Oceano Atlântico.

Figura 2 – Resumo dos principais desafios por país

 

Revisão Bibliográfica


Banco Mundial – LPI – Connecting to Compete – Trade Logistics in the Global Economy – 2014.

Banco Interamericano de Desenvolvimento – “The Impact of Transport Costs on Latin American and Caribbean Trade”.

CEPAL – “Infraestructura para la integración regional” e “Perspectivas económicas de América Latina”.

MIT – “Infraestructura para la integración regional”.

 

 

[1] Fonte: United Soybean Board

[2] Fonte: Banco Mundial – Connecting to Compete – Trade Logistics in the Global Economy – 2014

Para referenciar o artigo em sua publicação, utilize:

BARROS, M. Desafios da logística na América Latina. Revista Tecnologística, São Paulo, Ano XX, n. 231, p. 62-66, fev. 2015.

Monica Barros

Gerente de Inteligência de Mercado

Instituto de Logística e Supply Chain – ILOS

[email protected]

Tel.: (21) 3445-3000

https://ilos.com.br

Monica Barros é Sócia Gerente do ILOS. Possui mais de 20 anos de experiência na área de Logística, atuando em empresas como Shell, Ambev e White Martins. Em consultoria, já participou de diversos tipos de projetos, incluindo Planejamento Estratégico, Desenvolvimento de Redes Logísticas, Gestão de Transporte, Identificação de Oferta e Demanda.

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