HomePublicaçõesInsightsCONSTRUÇÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS SUSTENTÁVEL: LOGÍSTICA REVERSA DE EMBALAGENS PÓS-CONSUMO – PARTE 2

CONSTRUÇÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS SUSTENTÁVEL: LOGÍSTICA REVERSA DE EMBALAGENS PÓS-CONSUMO – PARTE 2

Na primeira parte deste artigo, tratou-se do problema dos resíduos sólidos, com um histórico da evolução da preocupação com o seu descarte correto, as diversas discussões internacionais sobre o tema e as políticas e soluções dadas, com os cases alemão e brasileiro. Foi abordado também o surgimento do conceito de responsabilidade compartilhada na cadeia de suprimentos sustentável, com o programa de metas da União Europeia para os seus diferentes países, para a reciclagem desses resíduos. Nesta segunda parte, será tratada a problemática da logística reversa no Brasil.
O DESAFIO DA LOGÍSTICA REVERSA NO BRASIL
Existe uma tendência de que, com a regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei 12.305/2010), parte das associações de empresas brasileiras adote um modelo para a logística reversa similar ao europeu.Os principais desafios do fluxo de valor da cadeia reversa estão associados à geração de um resultado financeiro positivo. No Brasil, as grandes dimensões geográficas e a baixa densidade de cooperativas, empresas de triagem e recicladoras são fatores que colaboram para o aumento dos custos para a coleta. Em contrapartida, diferentemente da Europa, que utiliza serviços de transporte especializado para a coleta de resíduos, no Brasil a inclusão social das cooperativas de catadores pode reduzir esse custo no início do processo.A capacidade instalada atual para triagem e transformação dos resíduos ainda não é suficiente para garantir o fluxo de todo o resíduo gerado em território nacional. A Figura 5 ilustra a distribuição geográfica de cooperativas e recicladoras no Brasil e indica um potencial gap estrutural, que deverá culminar na necessidade de investimentos em unidades industriais tanto para triagem quanto para reciclagem.

De forma aproximada, podemos imaginar que cada cooperativa de catadores é capaz de separar cerca de 1.200 toneladas de resíduos/ano, formando uma capacidade nacional de cerca de 624 mil toneladas anuais. Considerando um volume de resíduos de embalagens pós-consumo da ordem de 17 milhões de toneladas/ano, verificamos que a inclusão das cooperativas no formato atual no processo de coleta e triagem de resíduos não se fará suficiente. Outro ponto que vale ser ressaltado é que a disponibilidade de cooperativas não é uniforme, trazendo grandes gaps para o Norte e o Nordeste do País.

2011_08_imagem_01 - parte 2

Figura 5 – Distribuição geográfica de Cooperativas e Recicladoras no Brasil
A solução dessa situação é mais complexa do que pode parecer, pois as cooperativas não são unidades industriais e não têm facilidade de expansão. O esforço para dar escala industrial às cooperativas vai além de investimentos em equipamentos; existe a necessidade de elaboração de um denso plano de inclusão social (veja Quadro 3).2011_08_imagem_02 - parte 2
Quadro 3 – O desafio da inclusão social dos catadores
Além da questão humana, o planejamento da localização adequada para as instalações de triagem, recicladoras e outros locais para disposição de resíduos é fundamental para que o custo de coleta e disposição de resíduos seja o menor possível. Assim como as empresas dimensionam e localizam suas plantas e centros de distribuição para a redução dos custos com distribuição, essa atividade se faz necessária a para redução dos custos com logística reversa.No que diz respeito às receitas a serem geradas com a comercialização do resíduo coletado, temos que estas dependem do desenvolvimento do próprio mercado de produtos reciclados e/ou com base em resíduos. O investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o processo de conscientização do consumidor quanto ao tema são fatores essenciais para esse crescimento.Através de P&D se torna possível identificar meios de utilização de resíduos em embalagens e produtos, garantindo suas condições de segurança. O eco-design é uma atividade de P&D muito forte nesse aspecto, pois aborda o desenvolvimento da imagem e do produto alinhado com os principais indicadores ambientais. Nesse contexto estão:

• Redução dos volumes de materiais a serem utilizados na constituição do produto e de sua embalagem, de forma a minimizar o uso de recursos naturais e gerar o menor volume de resíduos pós-consumo possível.

• Desenho do produto e embalagens de forma a maximizar o valor do resíduo que será gerado, ou seja, suas partes devem ser desmontáveis, permitindo a triagem adequada de seus resíduos e sua máxima reciclagem ou reaproveitamento. Embalagens do tipo pounch (flexíveis), por exemplo, possuem um mix de camadas de materiais “inseparáveis” que pode inviabilizar sua reciclagem. Embalagens de perfume cujo spray de alumínio esteja montado de forma inseparável do vidro têm o seu potencial de reciclagem reduzido, gerando resíduos que terão de seguir para uma destinação menos nobre.

• Escolha dos materiais não somente pela capacidade de atender aos critérios de performance do produto, mas de forma a minimizar impactos ambientais no seu ciclo de vida, como uso de água e energia, geração de CO2, grau de reciclabilidade, podendo-se também incluir impactos de aspecto social (pode-se preferir utilizar um material que irá gerar renda a uma comunidade carente e proporcionar o crescimento de um novo setor econômico a utilizar um já produzido por grandes indústrias, além, é claro, de escolher fornecedores que não estejam envolvidos com trabalho escravo ou infantil e que não proporcionem o contato de seres vivos a substâncias tóxicas).

De forma geral, o eco-design deve gerar produtos e embalagens de menor custo econômico, ambiental e também social. No entanto, as decisões de eco-design estão ainda dentro de uma esfera estratégica, pois proporcionam inovações em termos de aparência dos produtos, gerando a necessidade de elaboração de processos de comunicação mais afinados com os consumidores.

Além do eco-design, na Europa diversas empresas já buscam a certificação cradle-to-cradle (do berço ao berço), oferecido pela consultoria MBDC – McDonough Braungart Design Chemistry, através da qual se tem orientações para o desenvolvimento de produtos dentro de um contexto sustentável. Cada nível dessa certificação refere-se a um diferente conjunto de exigências que orientam os esforços de P&D e que, ao definir metas para o uso de resíduos pós-consumo no desenvolvimento do produto, gera mercado para os mesmos (veja Quadro 4 sobre as exigências gerais para obtenção de cada nível da certificação cradle-to-cradle).

No contexto de pesquisa e desenvolvimento entram também todos os esforços para a viabilização de tecnologias para o uso de materiais reciclados como matéria-prima e para reciclagem e transformação dos resíduos.

Voltando-se para a conscientização do consumidor, podemos dizer que este é fator primordial para a alavancagem do mercado de produtos sustentáveis. Tendo o consumidor conhecimento sobre as questões envolvidas, ele deve poder escolher entre um produto mais ou menos sustentável. Essa possibilidade de escolha, no entanto, não depende somente do conhecimento do consumidor, sendo necessária uma comunicação confiável e isenta no produto como base para comparação.

Essa comunicação pode ser realizada através da disposição de informações nos rótulos dos produtos, podendo estar associada tanto aos processos que envolvem o produto quanto a atitudes tomadas pela empresa. A rotulagem de selos verdes, certificação cradle-to-cradle ou mesmo a participação da empresa no programa de logística reversa de resíduos, como o Ponto Verde, já são comuns na Europa.

Levando-se em consideração os investimentos em P&D e custos adicionais necessários para a oferta de produtos sustentáveis no mercado, em um primeiro momento, seus preços tendem a ser maiores que os dos demais produtos. Essa diferenciação nos preços, no entanto, tende a se reduzir, tanto porque os esforços de P&D devem gerar produtos com menos necessidade de material quanto pela tendência de redução de preços da matéria-prima reciclada, com o ganho de escala na produção que ocorrerá devido ao estabelecimento das metas de reciclagem.

2011_08_imagem_03 - parte 2

Quadro 4 – Certificação Cradle-to-Cardle: triple-bottom-line
A manutenção de preços premium para produtos sustentáveis pode ser uma forte barreira para a massificação de suas vendas, principalmente em países em desenvolvimento. Nesses casos, o rápido aumento da oferta de materiais reciclados torna-se ainda mais importante, pois o ganho de escala na produção de reciclados pode trazer redução nos custos desse tipo de matéria-prima, evitando a necessidade de repasse do custo para o preço..SOLUÇÕES DE LOGÍSTICA REVERSA NO MUNDOFrente a todas as questões que envolvem a transformação da cadeia de suprimentos em uma cadeia sustentável, vários são os passos a serem dados.O Brasil está agora na etapa pós-regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, na qual os setores devem apresentar para o Governo uma proposta de metas e um plano que mostre sua viabilidade. Essa etapa deve conter diversos levantamentos e análises a fim de garantir que o problema seja entendido e a mudança possa então ser efetiva:

• Mapeamento da capacidade atual (em toneladas) de cada elemento necessário para o direcionamento dos resíduos dentro da hierarquia definida na legislação (coleta, triagem, reciclagem, compostagem, incineração e disposição de resíduos em aterros sanitários);

• Avaliação do gap de capacidades e estruturação de solução específica para cada área, identificando e explicitando responsabilidades;

• Plano de incentivo à implantação das novas unidades necessárias (cartas de crédito);

• Elaboração de proposta para inclusão social dos catadores no contexto da logística reversa de resíduos;

• Identificação dos melhores locais para posicionamento de cada elemento necessário para direcionamento dos resíduos (Rede Reversa – Resíduos Sólidos), de forma a minimizar os custos de movimentação;

• Definição e divulgação das responsabilidades de cada um dos atores envolvidos no processo (indústria produtora, consumidores, etc.);

• Plano de investimentos em P&D para cada um dos atores envolvidos;

• Definição das cartas de crédito para os investimentos necessários em P&D;

• Plano de comunicação das responsabilidades (coleta seletiva);

• Padronização e comunicação de rotulagens ambientais e sustentáveis de empresas e produtos;

• Caracterização do mercado atual de resíduos (preços, formas de comercialização, relacionamentos na cadeia, etc.) e projeções para os próximos dez anos;

• Revisão dos impostos e taxações aplicáveis à comercialização de resíduos, reciclados e produtos com uso de reciclados pós-consumo.

CONCLUSÃO
São inúmeras as mudanças no processo de transformação da cadeia de suprimentos, porém a mais relevante é a mudança de visão. Sair de uma visão unilateral, focada apenas no desenvolvimento econômico independente, e ir para uma visão triple-bottom-line, onde as questões sociais e ambientais ganham grande relevância, é, de fato, o maior desafio.A velocidade dessa mudança na cadeia é o que a faz assustadora, pois este não é um processo de adequação gradual do mercado, mas sim uma mudança puxada pelo vislumbre de problemas com a qualidade de vida das gerações futuras. O engajamento das empresas não é uma opção, é uma decisão global.As companhias que conseguirem se engajar no processo de transformação mais rapidamente se tornarão cada vez mais competitivas, conseguindo reduzir custos e ganhar mercado.Em países em desenvolvimento, a mudança na cadeia de suprimentos tem maior grau de complexidade que nos países desenvolvidos, principalmente porque o tamanho dos problemas de ordem social são maiores.Esses problemas sociais impactam diretamente na distribuição dos custos associados às mudanças iniciais, pois estes não conseguem ser repassados totalmente para os consumidores. Nesse contexto, o trabalho para minimização dos custos associados ao processo deve ser fonte de um esforço maior.No caso específico do Brasil, além da necessidade de um grande projeto para desenho da rede reversa e seu alinhamento com o processo de inclusão de catadores, é necessário ainda organizar as formas de comunicação junto ao consumidor, não somente sobre a relevância de seu papel dentro do processo de logística reversa (coleta seletiva e disposição de resíduo por material), mas também sobre como os produtos e embalagens podem ser comparados quanto a suas características ambientais e sociais.A sociedade, de forma geral, está envolvida nesse desafio, sendo o governo, as indústrias produtoras e os cidadãos os principais atores para a mudança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Abracelpe, Caderno Especial – Panorama de Resíduos Sólidos, 2007.
Europen, Packaging and packaging waste statistics 1998 – 2006, 2009.
NEYMAN, Monika T. The Environmental Law System of the Federal Republic of Germany. Annual Survey of International & Comparative Law, 1996.

https://ilos.com.br

Gisela Sousa é Sócia-Executiva e Gerente Sênior de Bens de Consumo do ILOS. Já participou de diversos projetos associados à logística e supply chain para grandes empresas. Tem grande experiência no tema de sustentabilidade na cadeia de suprimentos/logística reversa e em logística e supply chain para o setor de saúde. É formada em engenharia civil com especializações nacionais e internacionais na área de logística, supply chain e operações.

Cadastre-se e receba conteúdos exclusivos e atualizações de mercado

Mantenha-se informado sobre as últimas tendências e tecnologias em Logística e Supply Chain

Rio de Janeiro

Tv. do Ouvidor, 5, sl 1301
Centro, Rio de Janeiro – RJ
CEP: 20040-040
Telefone: (21) 3445.3000

São Paulo

Alameda Santos, 200 – CJ 102
Cerqueira Cesar, São Paulo – SP
CEP: 01419-002
Telefone: (11) 3847.1909

© Todos os direitos reservados para ILOS – Desenvolvido por Design C22