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Cabotagem no Brasil: Importância, Benefícios e Crescimento

1. INTRODUÇÃO

A cabotagem se refere a movimentação de cargas nacionais ao longo da costa, entre portos brasileiros. É um importante modal para abastecimento de regiões e escoamento de produtos, atendendo, por exemplo, às cargas granéis sólidas e líquidas: madeira que abastece indústrias de celulose, bauxita para empresas produtoras de alumínio, matéria-prima para indústrias químicas, entre outros. Também é um importante modal para o transporte de petróleo e derivados, para alívio das plataformas ou movimentação de combustíveis entre regiões. Atende também ao transporte de carga geral e contêiner, transportando, por exemplo, produtos fabricados na Zona Franca de Manaus para atender aos mercados em todo país. Ainda existem as cargas de projeto, quando produtos com especificidades próprias são transportados por vias marítimas. São inúmeros os exemplos e aplicações que explicitam a importância que a cabotagem possui para o país.

A vocação da cabotagem é clara: atender ao transporte de produtos com origens e destinos próximos à costa, para longas distâncias. Apesar de possuirmos 80% da população a uma distância de até 200 Km da costa e termos praticamente 8 mil Km de litoral, o Brasil possui apenas 11% de sua matriz de transporte alocada no modal. Se contarmos que destes 11%, mais da metade se refere a movimentação de petróleos e derivados, percebemos que há ainda uma subutilização da cabotagem para o transporte de mercadorias e abastecimento do país.

Em contrapartida, o Brasil possui uma alta dependência do modal rodoviário: de acordo com análise realizada pelo ILOS, nossa matriz de transporte indica que, em 2018, 61% das cargas movimentadas utilizaram as rodovias brasileiras. É um percentual desproporcional quando comparamos com outros importantes países: o Japão (que transporte 44% de sua carga na cabotagem), utiliza a rodovia para 50% de sua movimentação; para a UE, este índice é de 49%; nos Estados Unidos, o transporte rodoviário conta para 43% de sua movimentação doméstica; por fim, a China utiliza o rodovia para movimentar 33% de suas cargas internas. Este benchmarking deixa claro que os países desenvolvidos têm, nas rodovias, uma utilização estratégica e alinhada com sua vocação. Enquanto isso, em nosso país, não é incomum verificar o transporte por caminhão de produtos entre os estados de São Paulo e Pernambuco, quando seria mais razoável levar a carga via cabotagem do Porto de Santos para o Porto de Suape, por exemplo.

Este desequilíbrio da matriz de transportes causa inúmeros problemas para vários stakeholders, conforme observamos no quadro a seguir. Para superá-los, é necessária a existência de uma política de estado, que perpasse as mudanças de governo, a fim de colocar a cabotagem em foco e criar meios para fomentar o crescimento e expansão do modal.

Neste artigo, será tratado do potencial que a cabotagem apresenta para retirar cargas das rodovias, os benefícios que tal movimento pode gerar e quais são os principais entraves que impede os investimentos e a aceleração do crescimento da cabotagem em nosso país.

 

2. POTENCIAL DE CRESCIMENTO E BENEFÍCIOS DA CABOTAGEM

 

Após as eleições de 2018, Jair Bolsonaro, juntamente com sua equipe econômica, capitaneada por seu Ministro da Fazenda Paulo Guedes, declarou as intenções e projeções de crescimento do governo para os anos de seu governo. Em matéria publicada pelo jornal O Globo em novembro/2018, a equipe de transição de Bolsonaro declarou que a expectativa de crescimento seria de 5% ao ano já a partir de 2020. Para 2019, de acordo com o boletim Focus, o crescimento da economia esperado estaria em 2,5% ao ano. Isso significaria um crescimento médio de 4,5% ao longo dos 4 anos de governo, resultando em uma adição de 320 bilhões de TKUs (tonelada x quílômetro útil) nas rodovias brasileiras ao final do ciclo presidencial. Para evitar o colapso do sistema rodoviário e todas suas consequências, o governo tem a missão fundamental de permitir que investimentos na infraestrutura de transporte sejam realizados.

Atualmente o Brasil se encontra com baixo poder de realizar investimentos devido às sucessivas crises que enfrentou nos anos anteriores. O teto de gastos, por exemplo, limita a capacidade de investimento do governo federal, o que gera a necessidade de encontrar alternativas para viabilizar o crescimento estimado. A cabotagem é uma alternativa viável, visto que não necessita, por exemplo, de investimentos em vias (mares). A utilização de portos pela cabotagem representa um volume bastante reduzido quando comparado ao volume do comércio exterior, ou seja, não caberia à cabotagem a responsabilidade de realizar investimentos portuários. Ainda, de acordo com dados do Plano CNT de Transporte e Logística 2018, seriam necessários R$ 10 para manutenção da cabotagem para cada 1.000 TKUs transportados, enquanto que ferrovias necessitariam de R$ 65 e rodovias, R$ 147 (Figura 1). Estes fatores confirmam que fomentar a cabotagem para permitir o crescimento esperado é uma alternativa eficiente.

Figura 1 – Manutenção necessária para cada Modal (R$/1.000 TKUs)

Gráfico - Manutenção necessária para cada Modal (R$/1.000 TKUs)
Análise: ILOS/CNT

Mesmo acompanhada de sucessivas crises e sem uma política de fomento adequada, a cabotagem tem crescido nos últimos anos, principalmente a cabotagem de contêiner que cresceu, entre 2010 e 2018, 12,7% em média ao ano. Mesmo assim, este aumento de dois dígitos ainda é insuficiente para capturar toda a carga potencial que hoje trafega em modais inadequados.

Através de uma análise da matriz origem-destino divulgada pela EPL em 2016 e considerando a distância de 1.500 Km entre origem e destino como mínima distância para tornar o transporte pela cabotagem viável, foi possível identificar o volume de cargas que hoje trafega pelas rodovias brasileiras e poderia migrar para a cabotagem. Desta forma, foi identificado que existe um potencial máximo de 123 bilhões de TKUs potenciais para a cabotagem, o que representa 44,2 milhões de toneladas. Se considerarmos que, atualmente, a cabotagem transporta 4,6 milhões de toneladas (sem considerar a carga feeder, caso em que existe a combinação da cabotagem nacional com o comércio exterior), é razoável concluir que no Brasil, para cada contêiner cheio transportado na cabotagem, existem 9,7 contêineres potenciais nas rodovias. Considerando outros fatores que influenciam a tomada de decisão dos embarcadores na seleção do modal de transporte (tempo total de transporte, urgência, necessidade de fracionamento, perecibilidade da carga, custo financeiro do estoque em trânsito, entre outros), estima-se que 50% desta carga poderia ser retirada das rodovias, ou seja, para cada contêiner cheio na cabotagem, existem 4,8 contêineres realmente captáveis pelas Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs).

Quadro 1 – Volume potencial da cabotagem.

Figura - Volume potencial da cabotagem
Fonte: ILOS/EPL/ABAC

A migração deste volume potencial geraria uma série de benefícios para o país. A redução da quantidade de viagens de caminhões nas rodovias resultaria numa redução de 10 mil acidentes por ano, ou 29 acidentes por dia a menos no país, considerando rodovias federais, estaduais e municipais. Considerando os custos das empresas embarcadoras com frete, a economia potencial anual chegaria a R$ 1,7 bilhões. Haveria ainda uma grande redução nas emissões de Gases do Efeito Estufa, visto que a cabotagem emite, proporcionalmente, quatro vezes menos do que o modal rodoviário. Por fim, haveria um importante benefício quanto à Soberania Nacional, dado que, de acordo com a legislação vigente, a cabotagem só é realizada por Empresa Brasileira de Navegação, o que garante vínculo e compromisso da marinha mercante brasileira e de suas embarcações com os interesses nacionais.

Quadro 2 – Benefícios da captura do volume potencial da cabotagem.

Figura - Benefícios da captura do volume potencial da cabotagem
Fonte: ILOS/EPL/IPEA/ABAC

 

3. AÇÕES NECESSÁRIAS PARA O FOMENTO DA CABOTAGEM

Para que as EBNs tenham capacidade de aumentar a oferta e melhorar seus serviços, é necessário que o Brasil crie as condições propícias para a realização de investimentos, sem que se caia na armadilha de abertura do mercado, o que impediria a escala necessária para tornar o negócio rentável e não permitiria a regularidade do serviço, além de ser uma prática não comum em outros países no mundo. Por exemplo, a restrição da cabotagem às empresas regularizadas no país é uma prática existente em países como Estados Unidos, Japão, China, Canadá, Austrália e Alemanha. Para se ter uma ideia, a cabotagem é vista como estratégica a tal ponto nos Estados Unidos que só pode ser realizada com navios de bandeira americana, construídos no país e operados com tripulação americana. A marinha mercante americana cumpre um papel importante de segurança nacional.

Neste sentido, uma das principais ações que os armadores buscam é um ambiente regulatório estável, que permita que os grandes investimentos, característicos do negócio, sejam realizados, sem incorrer em riscos não-sistêmicos desnecessários.

Além disso, outro ponto que pode afastar os investimentos está relacionado à realidade competitiva do país. O Brasil possui, atualmente, uma série de peculiaridades que reduzem a competitividade das EBNs na cabotagem, trazendo altos custos e afastando os investimentos. Estes custos podem ser divididos em três grandes blocos: combustíveis, praticagem e tripulação. Quanto aos combustíveis, a questão se refere ao não atendimento do Marco Regulatório, definido pela Lei 9.432/1997, que em seu Art. 12 descreve que os preços do combustível da cabotagem deveria ser os mesmos daqueles cobrados para embarcações internacionais de longo curso. Por conta de um mal entendimento a respeito da cobrança do ICMS, a cabotagem acaba pagando um valor maior em 20% no abastecimento dos navios do que o comércio exterior.

A praticagem, no Brasil, possui características monopolísticas, visto que é um serviço obrigatório e não há concorrência. Além disso, ela não possui regulação econômica, fato que é quase inexistente em outros países importantes no mundo. Esta combinação de fatores gera cobrança de valores altos para realização das manobras nos portos, o que é crítico para a cabotagem, visto que alguns serviços da cabotagem de contêiner, por exemplo, escalam vários portos em um curto período. A tripulação também é um fator que chama atenção na questão de custos, por conta dos altos encargos cobrados.

Por fim, um terceiro ponto está relacionado à capacidade de realizar investimentos na formação de frota. Atualmente, a cabotagem conta com o Fundo de Marinha Mercante (FMM), que possui capital para fomentar os investimentos por parte das empresas, porém possui regras e restrições que dificultam sua plena utilização. A vinculação da construção das embarcações em estaleiros brasileiros, por exemplo, é uma questão bastante discutida entre os envolvidos.

Figura 2 – Ações necessárias para fomento da cabotagem

 

Figura - Ações necessárias para fomento da cabotagem

Fonte: ILOS

É necessária a participação do governo federal para resolução célere dos entraves, de maneira a permitir que os investimentos por parte das empresas armadoras sejam realizados o quanto antes.

 

4. CONCLUSÃO

Conforme foi mostrado, o Brasil precisará tomar medidas para alavancar sua infraestrutura e permitir que o crescimento almejado pelo novo governo não crie um colapso na logística do país. A cabotagem tem um potencial reprimido para absorção de carga do modal rodoviário, que pode trazer benefícios para empresas, governo e população em geral. É fundamental, todavia, que o governo estabeleça uma política de estado, voltada ao fomento do modal, de maneira a criar um ambiente de negócios favorável e permitir a expansão da oferta e dos serviços.

 

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

  • IPEA. Acidentes De Trânsito Nas Rodovias Federais Brasileiras Caracterização, Tendências E Custos Para A Sociedade. Brasília: IPEA, 2015
  • CNT. Plano CNT de transporte e logística 2018. Brasília: CNT, 2018.
  • EPL. Transporte inter-regional de cargas no Brasil. Brasília: EPL, 2016.

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