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ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA GESTÃO DE ESTOQUES NA CADEIA DE SUPRIMENTOS

Este texto é o primeiro de dois artigos dedicados à análise da gestão de estoques, a partir de uma perspectiva diferente da visão tradicional, focada exclusivamente numa única empresa da cadeia de suprimentos.

Inicialmente são revistas duas ferramentas que, mesmo desenvolvidos para uma única empresa, ainda são extremamente úteis para a operacionalização de políticas de estoques na cadeia de suprimentos: a modelagem do consumo de materiais através de gráficos dente de serra e a análise dos trade-offs de custos entre os estoques e outras funções logísticas, como o transporte e a armazenagem.

Em seguida, são apresentados os principais fatores que estão motivando as cadeias de suprimento a reduzir continuamente seus níveis de estoque: uma maior diversidade no número de produtos e mercados atendidos, o elevado custo de oportunidade de capital e o crescente foco gerencial no controle e redução no grupo de contas pertencentes ao Capital Circulante Líquido. Além disto, é chamada a atenção para o fato de que reduzir os níveis de estoque, sem uma análise preliminar sobre o grau de eficiência do transporte, da armazenagem e do processamento de pedidos, pode gerar um aumento no custo logístico total da operação.

Finalmente se discute como três transformações básicas na cadeia de suprimentos têm permitido às empresas operarem com níveis de estoques cada vez menores: formação de parcerias, surgimento de operadores logísticos e adoção de tecnologias de informação para captura e troca de dados. Especificamente com relação à integração entre varejistas e fabricantes é ilustrado, através de um exemplo concreto, como a troca de dados sobre vendas pode contribuir para a redução substancial dos níveis de estoque de segurança.

No próximo artigo serão comentadas as quatro principais decisões necessárias à formalização de uma política de estoques na cadeia de suprimentos: (1) nível de centralização dos estoques, (2) estratégias de postergação do ressuprimento versus cálculo do ponto de pedido, (3) políticas para correção dos estoques de segurança em função dos custos de falta e de excesso e (4) adoção do lote econômico de compra versus o ressuprimento just-in-time.

FERRAMENTAS BÁSICAS PARA A GESTÃO DE ESTOQUES

Independentemente dos motivadores existentes para redução dos níveis de estoques, a dinâmica do consumo de materiais num determinado elo da cadeia de suprimentos pode ser representada por gráficos dente de serra, conforme ilustrado na Figura 1.

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Num mundo ideal, sem incerteza, a taxa de consumo média (D) dos produtos é totalmente previsível dia após dia. Desta forma, pode se saber exatamente quando o nível de estoque chegará a zero, ou seja, o momento do reabastecimento, ou seja, para quando devemos programar a chegada de novos produtos. Basta desdobrar no tempo lead-time de ressuprimento (LT), a partir do momento do reabastecimento, para determinar o momento de pedir o ressuprimento. O Ponto de Pedido (PP) é simplesmente o momento de pedir convertido para o nível de estoque através do produto entre a taxa de consumo média pelo lead-time de ressuprimento (D*LT).

Por outro lado, no mundo real (com incerteza) a taxa de consumo dos produtos não é totalmente previsível, podendo variar consideravelmente ao redor do consumo médio. Além disto, o lead time de ressuprimento também pode variar, ocasionando atrasos na entrega. Para se proteger destes efeitos inesperados, as empresas dimensionam estoques de segurança, em função de uma probabilidade aceitável de falta de produto em estoque.

Outro elemento da dinâmica da gestão de estoques que permanece inalterado, independentemente dos motivadores à redução dos níveis de estoque, é o trade-off de custos existentes entre os estoques e outras funções logísticas.

Imaginemos, por exemplo, um centro de distribuição (CD) que possua demanda anual média de 300 unidades para um determinado produto e consideremos duas políticas alternativas, conforme ilustração na figura 2. Na primeira política são enviados 6 carregamentos com 50 unidades ao longo do ano. Na segunda política, as 300 unidades são enviadas de uma só vez. Quais seriam as vantagens e as desvantagens presentes em cada uma das políticas?

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Na primeira política, a empresa incorre num menor custo de oportunidade de manter estoques, por operar com um nível médio de apenas 25 unidades. Os gastos com transporte, entretanto, são maiores: a conta frete é maior não apenas devido a um maior número de viagens, como também gasta-se proporcionalmente mais com o transporte por tonelada-quilômetro em função Da falta de escala na operação com carregamentos fracionados.

Por outro lado, na segunda política, são maiores os custos de oportunidade de manter estoques (é mantido um nível médio de 150 unidades de produto em estoque) mas, em contrapartida, não apenas a conta frete é menor por ocorrer apenas uma viagem, como também o custo unitário do frete é menor, em virtude de possíveis economias de escala decorrentes do envio de carregamentos consolidados.

O equilíbrio, ou a política de ressuprimento ideal para este CD é atingido quando balanceamos o custo de oportunidade de manter estoques com o custo unitário, neste exemplo em particular, de transporte para o CD.

Conforme podemos perceber na figura 3, o objetivo das cadeias de suprimento com relação à gestão de estoques deve ser a determinação do tamanho de lote de ressuprimento mais apropriado ao seu nível de eficiência no processo de movimentação de materiais. Neste exemplo, o equilíbrio não se situa nem tanto à esquerda do gráfico, como nos sugere a política 1, nem tanto à direita, como nos sugere a política 2.

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Na prática, é muito difícil para as empresas avaliarem adequadamente em que ponto do gráfico se situa sua atual política de estoques. Entretanto, é possível através de geração de cenários e de análises incrementais nos custos de estoques e movimentação de materiais determinar se uma alternativa de operação acarretará um menor custo logístico total.

Desta forma, é possível evitar a percepção de que reduções isoladas nos níveis de estoque, sem serem levados em consideração impactos em outras funções logísticas, como transporte, armazenagem e processamento de pedidos, permitem uma operação de ressuprimento de menor custo total. Na realidade, conforme ilustrado pela Figura 3, as empresas devem buscar minimizar o custo logístico total de estoques, de transporte e de processamento de pedidos em função de uma determinada disponibilidade de produto desejada pelo cliente final.

POR QUE E COMO REDUZIR OS NÍVEIS DE ESTOQUE

Cada vez mais as empresas estão buscando garantir disponibilidade de produto ao cliente final com o menor nível de estoque possível. São diversos os fatores que vem determinando este tipo de política, conforme descrição a seguir.

  • A diversidade crescente no número de produtos, tornando mais complexa e trabalhosa a contínua gestão dos níveis de estoque, dos pontos de pedido e dos estoques de segurança. Vale exemplificar o caso das cervejarias brasileiras que, em 1985 ofereciam um único sabor (pilsen) numa única embalagem (a garrafa de 600 ml) e atualmente oferecem diversos sabores (bock, draft, light etc) em outros tipos de embalagem (lata, long neck etc).
  • O elevado custo de oportunidade de capital, reflexo das proibitivas taxas de juros brasileiras, tem tornado a posse e manutenção de estoques cada vez mais onerosas.
  • O foco gerencial na redução do Capital Circulante Líquido, uma das medidas adotadas por diversas empresas que desejam maximizar seus indicadores de Valor Adicionado pelo Mercado.

Por outro lado, diversos fatores têm influenciado a gestão de estoques na cadeia de suprimentos no sentido de aumentar a eficiência com a qual as empresas operam os processos de movimentação de materiais (transporte, armazenagem e processamento de pedidos) conforme ilustra a figura 4. Aumentar a eficiência destes processos, significa simplesmente deslocar para baixo a curva de custos unitários de movimentação de materiais, permitindo operar com tamanhos de lotes de ressuprimento menores, sem, no entanto, afetar a disponibilidade de produto desejada pelos clientes finais ou incorrer em aumentos nos custos logísticos totais.

Destacamos três fatores que tem contribuído substancialmente para a redução dos custos unitários de movimentação de materiais, sejam nas atividades de transporte, de armazenagem ou de processamento de pedidos:

  • formação de parcerias entre empresas na cadeia de suprimentos;• surgimento de operadores logísticos;• adoção de novas tecnologias de informação para a captura e troca de dados entre empresas.

A seguir descreveremos o impacto de cada um destes fatores.

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FORMAÇÃO DE PARCERIAS ENTRE EMPRESAS NA CADEIA DE SUPRIMENTOS

A formação de parcerias entre empresas na cadeia de suprimentos, fenômeno verificado inicialmente entre montadoras e fornecedores na indústria automobilística japonesa, tem permitido reduções nos custos de compras através da eliminação de diversas atividades que não agregam valor. Como o objetivo final é o ressuprimento just in time de peças e materiais, tarefas como o controle de qualidade no recebimento, licitações e cotações de preços foram praticamente eliminadas na relação comercial entre empresas, através do estabelecimento de parcerias.

SURGIMENTO DE OPERADORES LOGÍSTICOS

O aparecimento de empresas como a TNT, FedEx, Ryder e diversas outras, que vêm assumindo um destaque cada vez maior na cadeia de suprimentos, oferece a possibilidade para redução nos custos unitários de movimentação de produtos entre empresas. Isto ocorre por que estas empresas possuem know-how, economias de escala e foco em diversas operações logísticas relacionadas com a movimentação de materiais e o transporte. Por exemplo, é bastante comum um operador logístico consolidar carregamentos fracionados de diversas empresas de modo a completar uma carreta, tornando possível a diluição dos custos fixos deste transporte por uma base maior de rateio.

ADOÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO (TIS) PARA TROCA DE DADOS

Por fim, a adoção de novas TIs como códigos de barra, EDI, automação de PDVs etc trouxe vários benefícios inerentes à captura e disponibilização de informações com maior grau de precisão e pontualidade. Chamamos a atenção em particular para a eliminação dos erros e do retrabalho no processamento de pedidos, fato que reduz substancialmente os custos associados a esta atividade, e para a redução da incerteza com relação à demanda futura, ao serem compartilhados as séries de vendas para o cliente final por todas as empresas na cadeia.

COMO A ADOÇÃO DE TI PODE CONTRIBUIR PARA A REDUÇÃO DOS ESTOQUES DE SEGURANÇA?

Percebemos que, por um lado, as TIs permitiram reduzir os custos do processamento de pedidos, através da eliminação dos erros resultantes da interferência humana na colocação dos pedidos, viabilizando uma operação de ressuprimento com tamanhos de lotes menores. Por outro lado, a possibilidade de empresas na cadeia trocarem informações tem contribuído para a redução da falta de visibilidade na cadeia de suprimentos sobre a real demanda dos consumidores finais, fator que influencia diretamente a formação dos estoques de segurança.

A figura 5 ilustra um caso real entre um fabricante de refrigerantes e uma rede varejista da cidade de São Paulo verificado ao longo dos meses de fevereiro, março e abril de 1996. Esta figura compara ao longo de 12 semanas o perfil das vendas reais do refrigerante X na rede varejista para seus consumidores finais (linha azul) com o perfil de retiradas deste mesmo produto pela rede varejista no fabricante (linha lilás).

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Percebemos claramente por esta figura que, a medida que nos afastamos do consumidor final na cadeia de suprimentos, as flutuações nos níveis de estoque existentes nas empresas (no caso entre a rede varejista e o fabricante) contribuem para afastar substancialmente a quantidade de reposição ou a ser comprada (retiradas do varejista no fabricante) do verdadeiro perfil da demanda (neste caso aproximado pelas vendas da rede varejista).

A disponibilização via TI das vendas coletadas em tempo real no varejo pode permitir um planejamento mais enxuto de diversas operações do fabricante. Isto porque, ao analisarmos as duas séries de vendas ao longo das doze semanas, a demanda média do refrigerante X na rede varejista é de 143 caixas por semana (com um desvio-padrão associado de 53 caixas por semana), enquanto que a demanda média no fabricante é 221 caixas por semana (com um desvio padrão de 271 caixas por semana), conforme ilustra a Figura 6.

Devemos ressaltar que, apesar de no longo prazo a demanda média ser aproximadamente igual para toda a cadeia de suprimentos, no curto prazo as flutuações nos níveis de estoque entre as empresas fazem com que numa mesma semana a rede varejista venda uma quantidade diferente daquela faturada pelo fabricante. Este efeito acarreta impactos substanciais no planejamento de diversas operações no curto prazo, como por exemplo as programações de compras, produção, distribuição e o dimensionamento dos estoques de segurança.

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Com relação especificamente aos níveis de estoque de segurança e supondo a demanda normalmente distribuída nos dois elos desta cadeia, o nível de estoque de segurança (ES) que garante uma probabilidade de 98% de não haver falta de produto é aproximadamente igual a dois desvios padrão da demanda . Conforme explicado anteriormente, pelo fato da demanda média variar no curto prazo em função da posição da empresa na cadeia de suprimentos, o fabricante deve dimensionar um estoque de segurança do refrigerante X pouco mais de 5 vezes maior que o necessário para o varejista.

CONCLUSÃO

Este artigo explorou as principais motivações para a redução dos níveis de estoque e as armadilhas presentes na visão tradicional, bem como as transformações na cadeia de suprimentos que estão permitindo as empresas operarem com tamanhos de lotes de ressuprimento cada vez menores.

Especificamente, foi discutido que a redução nos tamanhos de lote de ressuprimento entre empresas não deve ser simplesmente um objetivo isolado de outras funções logísticas, mas sim consequência direta do aumento de eficiência nas atividades de transporte, armazenagem, processamento de pedidos etc. Foi avaliado também o significativo impacto que a troca de informações entre empresas pode exercer no dimensionamento dos estoques de segurança.

No próximo artigo serão discutidos os principais aspectos e questões relevantes à formalização de políticas de estoques para as cadeias de suprimento.

https://ilos.com.br

Doutor em Ciências em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e visiting scholar do Departamento de Marketing e Logística da Ohio State University. Possui os títulos de Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e de Engenheiro de Produção pela Escola de Engenharia da mesma universidade. Professor Adjunto do Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ, coordenador do Centro de Estudos em Logística. Atua em atividades de ensino, pesquisa, e consultoria nas áreas de localização de instalações, simulação de sistemas logísticos e de transportes, previsão e planejamento de demanda, gestão de estoques em cadeias de suprimento, análise de eficiência de unidades de negócio e estratégia logística. Possui mais de 60 artigos publicados em congressos, revistas e periódicos nacionais e internacionais, tais como o International Journal of Physical Distribution & Logistics Management, International Journal of Operations & Production Management, International Journal of Production Economics, Transportation Research Part E, International Journal of Simulation & Process Modelling, Innovative Marketing e Brazilian Administration Review. É um dos organizadores dos livros “Logística Empresarial – A Perspectiva Brasileira”, “Previsão de Vendas - Processos Organizacionais & Métodos Quantitativos”, “Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos: Planejamento do Fluxo de Produtos e dos Recursos”, “Introdução ao Planejamento de Redes Logísticas: Aplicações em AIMMS” e “Introdução ao Planejamento da Infraestrutura e Operações Portuárias: Aplicações de Pesquisa Operacional”. É também autor do livro “Gestão de Estoques na Cadeia de Suprimento – Decisões e Modelos Quantitativos”.

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