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A RECUPERAÇÃO DO SERVIÇO LOGÍSTICO

Como as empresas devem agir quando cometem erros e como podem modificar o comportamento de clientes insatisfeitos de modo a conseguir que se mantenham clientes

Errar é humano; recuperar é divino. Com esta frase, três dos mais assíduos autores sobre Gerência de Serviços (Christopher Hart, James Heskett e Earl Sasser) concluíram um dos primeiros artigos¹ escritos sobre a incidência de erros na prestação de um serviço e como atuam as empresas de vanguarda no sentido de evitar a insatisfação dos clientes, transformando-os, inclusive, em clientes leais, apesar dos erros cometidos¹.

Todo sistema logístico, por melhor equipado que esteja, é passível de erros. Um pedido mal anotado, uma pequena distração de quem carrega o veículo de entregas, um cochilo na supervisão ou episódios não controláveis como fortes chuvas que bloqueiam ruas e estradas, são fatos que podem ter como conseqüência uma série de aborrecimentos para os clientes. Entregas fora do prazo, embalagens avariadas, quantidades entregues menores que as solicitadas, etc., estão entre as queixas mais freqüentes. De que maneira sua empresa trata estas queixas? Considera as falhas ocorridas como acontecimentos normais? Utiliza como desculpa o fato de que todo mundo erra? Ou coloca a culpa nos clientes, classificando-os de chatos, ranzinzas ou outros adjetivos parecidos.

A pressão para cumprir prazos, a manipulação de um enorme número de itens, a falta de especialização da mão de obra, deficiências no entendimento do que significa qualidade em um serviço e uma série de outras razões, podem justificar a afirmação de que na prestação dos serviços logísticos os erros são inevitáveis. Entretanto, dependendo das atitudes tomadas pela empresa diante da ocorrência dos erros, é possível que os clientes não fiquem insatisfeitos. Esta é a idéia que permeia o conceito de recuperação do serviço. Neste artigo procuraremos explicar em que consiste a recuperação, mostrar as razões da importância de ter um sistema de recuperação de falhas e oferecer um conjunto de ações para as empresas interessadas em desenvolver uma política eficiente de recuperação de serviço.

O QUE É A RECUPERAÇÃO DO SERVIÇO

Se entende por recuperação do serviço o conjunto de atividades que uma empresa realiza no sentido de resolver reclamações e tentar mudar a atitude de clientes insatisfeitos procurando fazer com que eles se mantenham como clientes. Apesar de reconhecer que as falhas ocorridas têm implicações negativas, a efetiva aplicação de mecanismos de recuperação do serviço pode, inclusive, aumentar a lealdade do cliente. Se “fazer certo na primeira vez” é um dos princípios da Qualidade Total, a recuperação do serviço pode ser vista como uma extensão lógica desse princípio uma vez que no ambiente de prestação de serviços o “zero defeito” é praticamente uma utopia. Dessa forma, aquele enunciado receberia uma nova redação: “fazer certo na primeira vez e definitivamente certo na segunda”. A aceitação desse princípio implica, na prática, em que todo prestador de serviço tem duas oportunidades de conseguir que o cliente fique satisfeito: a primeira, quando seu desempenho atende ou até mesmo supera as expectativas do cliente. A
segunda, quando o cliente não  satisfeito com o serviço que recebe se queixa, verbalmente ou por escrito, e recebe uma resposta satisfatória. Esta resposta pode ser desde um sincero pedido de desculpas até ações que compensem o cliente pelos custos ou incômodos causados pela falha cometida. A recuperação do serviço inclui tanto o tratamento das reclamações como as medidas tomadas no sentido de mostrar ao cliente que a empresa está comprometida em que os erros não mais aconteçam e que deseja mantê-lo como cliente no futuro.

POR QUE RECUPERAR SERVIÇOS?

A importância da recuperação do serviço passou a ganhar evidência a partir de várias pesquisas feitas nos Estados Unidos, por diferentes entidades, e que mostraram as vinculações existentes entre recuperação de falhas e lealdade de clientes e entre lealdade e lucratividade. No primeiro caso, podemos citar os trabalhos desenvolvidos  pela TARP (Technical Assistance, Research Programme Inc.) – uma empresa norte-americana de pesquisa de mercado que realiza estudos para organizações de defesa do consumidor.  Esta empresa centra seu trabalho no exame de como a satisfação dos clientes fica influenciada pela forma como as empresas tratam as queixas dos clientes e pelo desempenho na recuperação dos erros cometidos. Algumas conclusões de tais estudos merecem ser mencionadas:

  • Apenas um cliente em cada 20 irá reclamar se estiver insatisfeito. Os demais mudam de fornecedor.
  • Dos clientes que se queixam, 6 em cada 10 comentam com outras pessoas quando o resultado da queixa é negativo e apenas 3 em cada 10 o fazem quando o resultado é positivo.
  • 70% dos clientes voltarão a negociar com a empresa fornecedora se a reclamação feita for resolvida satisfatoriamente. Este percentual sobe para 95%  se o motivo da reclamação for resolvido na hora.
  • Em alguns setores, o percentual de lealdade do cliente é maior para aqueles que tiveram seus problemas resolvidos do que os que  nunca vivenciaram problemas.

Antes de comentar estes achados, vamos apresentar alguns resultados que relacionam a fidelização de clientes com lucratividade. Bain & Company é uma empresa que tem feito estudos nessa linha:

  • Conquistar novos clientes custa mais que manter os clientes fiéis.
  • Os clientes que permanecem estão dispostos a gastar mais; compram serviços adicionais e mostram maior disposição a pagar um preço prêmio por um serviço melhor.
  • Os clientes habituais são mais baratos de servir, particularmente no que se refere a custos administrativos e de vendas.
  • Boa parte dos clientes habituais tem o hábito de recomendar os serviços da empresa da qual são clientes.
  • Um aumento de 5% no investimento com instrumentos de fidelização pode incrementar a lucratividade entre  25 e 125%.

Os dois conjuntos de resultados deixam claro que a recuperação do serviço não é apenas um conjunto de atitudes de respeito e consideração com o cliente quando a empresa que o serve comete um erro. As medidas de recuperação podem modificar o comportamento do cliente insatisfeito tornando-o inclusive mais vinculado a empresa. O argumento de que estas medidas podem representar um custo significativo é facilmente contestado quando se compara este custo com os ganhos potenciais nas futuras compras desse cliente. Isto sem levar em conta o custo do cliente perdido ou o custo de atrair um novo cliente para substituir aquele que se foi. Além disso, ao não fazer nada quando um erro acontece, a empresa pode perpetuar este ciclo de precisar continuamente atrair novos clientes para compensar os insatisfeitos que deixam de ser clientes.

O Centro de Estudos em Logística do COPPEAD tem pesquisado nos últimos anos o nível de satisfação de comerciantes brasileiros com as práticas de serviço ao cliente de seus fornecedores de quatro tipos de produtos². Um dos atributos de serviço ao cliente que tem merecido atenção da pesquisa é o sistema de recuperação de falhas. No caso de alimentos perecíveis, por exemplo,  numa escala variando de 1(pouco importante) a 5(muito importante), a média obtida entre os comerciantes entrevistados para a importância do Sistema de Recuperação de Falhas  foi de 4,3, perdendo apenas para Disponibilidade de produto, Consistência do prazo, Tempo do ciclo do pedido e Freqüência de entrega. É fácil ver, portanto, que se falta o produto ou se os prazos não são atendidos ou se as entregas não são freqüentes, o cliente valoriza notavelmente o sistema de recuperação de falhas. Na avaliação do desempenho dos fornecedores, a pesquisa mostrou que 66% dos clientes estão insatisfeitos com a prática de mercado e 27% estão insatisfeitos com a melhor prática. Trata-se, portanto, de um atributo bastante valorizado pelos clientes mas que nem mesmo os melhores distribuidores estão atendendo satisfatoriamente. É portanto uma boa oportunidade de diferenciação  que dispõe as empresas preparadas para dar um bom serviço. Nos outros setores pesquisados (alimentos não perecíveis, produtos de higiene e limpeza e papel) os resultados são bastante semelhantes.

MECANISMOS DE RECUPERAÇÃO DO SERVIÇO

O primeiro mecanismo de recuperação do serviço é, obviamente, incentivar as queixas e reclamações dos clientes para que as medidas de recuperação possam ser acionadas. As empresas que não facilitam que os clientes manifestem sua insatisfação perdem uma informação valiosíssima. Não saberão a causa da insatisfação, perderão este cliente e, pior, não poderão evitar que outros clientes sigam o mesmo caminho simplesmente porque ignoram o motivo de não estarem satisfeitos. A não existência de um canal formal para recebimento de queixas pode explicar um dos resultados apresentados anteriormente: poucos clientes reclamam; a maioria muda de fornecedor. Ao não serem informadas sobre onde e como reclamar, os clientes tomam o caminho mais confortável: procuram outra empresa.

A reclamação, vista como informação sobre o erro cometido, é também uma fonte de aprendizagem. As pesquisas mostram que a lealdade dos clientes está mais próxima de empresas onde esta aprendizagem é estimulada e os funcionários, em todos os níveis, são continuamente encorajados a incrementar sua capacidade de ouvir, aprender e agir, criando e produzindo resultados importantes para a organização. Isto explica o fato de que as empresas que prestam os melhores serviços normalmente são as que proporcionalmente recebem mais reclamações. Obviamente não é porque dão mais motivos de queixa e sim porque colocam a disposição dos clientes um maior número de mecanismos para escutar seus problemas. Nessas empresas trabalha-se com o convencimento de que, com as queixas, são recolhidas valiosas informações do mercado e que estas são úteis para construir um sistema de prestação de serviço com características diferenciadas.

As vantagens de saber lidar com as reclamações também podem ser expressas em números, como mostra o quadro

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Assim sendo, poderia-se dizer que a empresa deveria se alegrar cada vez que recebe uma queixa. O normal, entretanto, é que elas não chegam, como já vimos antes. Um outro estudo da mencionada TARP procurou saber mais sobre os clientes que tomavam a iniciativa de apresentar uma queixa. A imensa maioria encontrou dificuldades porque a queixa foi recebida por um pessoal de linha de frente mal preparado ou sem recursos ou sem autonomia para resolver os problemas apresentados, piorando a situação, aumentando a insatisfação e alimentando o contingente dos que não vão mais reclamar porque sentem que perderam tempo reclamando. Apenas 10% dos que apresentaram queixa tiveram seu problema tratado por pessoas preparadas para tal.

O parágrafo anterior introduz o segundo procedimento no caminho da recuperação do serviço: é preciso ter um sistema de resolução de queixas, ou seja, é preciso resolver o problema. Um bom sistema de recuperação não se limita a obter informações sobre os erros. O cliente não quer apenas reclamar. Ele quer ver sua reclamação processada e resolvida rapidamente. Não sendo assim, ele aumentará sua insatisfação porque percebe que perdeu tempo. As respostas às queixas deveriam incluir os seguintes elementos:

  • Ouvir atentamente o cliente. Agradecer a informação que ele está trazendo dando a sensação de que ela será utilizada para melhorar a qualidade do serviço. A mensagem deve conter um convite implícito para que o cliente comprove o que está sendo dito e desta forma vincula-lo afetivamente a empresa.
  • Pedir desculpas pelo ocorrido e pelos incômodos que o erro pode ter ocasionado, dando-lhe razão (por pouca que tenha). Aliás, é preferível não entrar em discussão sobre quem tem razão. A aprendizagem que o processo de ouvir reclamações trará, permitirá identificar quem está agindo de má fé ou quem está querendo prejudicar um empregado.
  • Resolver o problema, restituindo, na medida do possível, o dano causado ao cliente. Esta é a etapa mais delicada porque certamente envolverá valores compensatórios. É preciso lembrar, entretanto, que não é justo cobrar por um serviço mal executado ou por uma mercadoria sem condições de uso. Por outro lado, se os erros cometidos não resultarem em um custo para a empresa, não há incentivo para que eles não voltem a acontecer.

PASSOS PARA UMA ESTRATÉGIA DE RECUPERAÇÃO DO SERVIÇO

Com o objetivo de estabelecer uma atuação mais  duradoura em termos de recuperação, a seqüência de ações apresentada  na figura podem servir de guia para as empresas interessadas em estabelecer uma estratégia de recuperação do serviço:

A primeira ação parte do princípio que todo erro significa algum custo seja para a empresa que o comete (devolução de dinheiro, reposição de mercadoria, visita de um dirigente, etc) seja para o cliente (algum tipo de prejuízo por não haver recebido o que esperava, chamadas telefônicas para reclamar, etc.). A segunda ação tem um caráter de alerta: os erros podem significar a perda do cliente e isto tem um custo para a empresa que será maior quanto mais importante seja o cliente considerando seu histórico de negócios. A terceira ação critica os métodos como livros de reclamações ou formulários que acompanham o produto entregue.

É preciso uma atuação pró-ativa por parte dos empregados que devem estar preparados para, nos contatos com os clientes, interessar-se em saber se tudo correu bem, se houve alguma deficiência na prestação do serviço, reiterando que qualquer problema deve ser comunicado imediatamente para que ações de recuperação sejam aplicadas. A quarta ação chama a atenção para o fato de que as vezes o sistema de escutar as reclamações funciona muito bem, mas os funcionários não têm tempo para executar as tarefas que a resolução das queixas demanda. A quinta ação também tem um caráter preventivo: ao simular os erros que podem acontecer, certamente surgirão oportunidades para ações que impeçam que os erros ocorram. Na ação seguinte a idéia é encantar o cliente com uma resolução rápida. Enviar a mercadoria que por engano não foi entregue é uma recuperação fácil. Mas quanto tempo depois? As duas últimas ações têm por objetivo aumentar a competência dos empregados. Criar padrões de atendimento nos casos normais e dar-lhes autoridade para agir em situações imprevistas demonstra o compromisso da empresa com um serviço orientado ao cliente. Esta liberdade, no caso dos empregados de nível inferior na organização pode ser vista como perigosa. Entretanto, ela é essencial para uma efetiva política de recuperação. Por trás deste “perigo” sempre está o custo associado à decisão, mas dificilmente se pensa no valor que representa manter um cliente satisfeito.

Em resumo, e finalizando, diríamos que o processo de recuperação do serviço inclui:

  1. a) facilitar as reclamações dos clientes,
  2. b) resolver os problemas,
  3. c) usar a informação para evitar que os problemas voltem a acontecer e
  4. d) tentar neutralizar as possíveis referências negativas dos clientes descontentes, favorecendo a repetição dos negócios com aqueles clientes, gerando referências positivas sobre o modo como os problemas são resolvidos.

Se as queixas são bem resolvidas, a fidelização do cliente aumenta de maneira    surpreendente, como demonstram várias evidências empíricas.

Notas:

  1. The Profitable art of Service Recovery. Harvard Business Review, July-August 1990.
  2. A pesquisa Benchamark – Serviço ao Cliente é realizada anualmente com centenas de comerciantes em diferentes capitais brasileiras, com o patrocínio de onze importantes empresas dos setores alimentos perecíveis, alimentos não perecíveis, papel e higiene e limpeza.

Este artigo foi publicado originalmente na revista Tecnologística, Ano IV, Nº 42., Maio/1999

https://ilos.com.br

Doutor em Administração de Empresas pelo IESE Business School, Universidad de Navarra, Barcelona, Espanha e Mestre pelo COPPEAD/UFRJ. Licenciado em Matemática pela UFRGS. Professor da área de Operações e Tecnologia do COPPEAD entre 1979 e 1994. Foi Vice-Diretor da instituição entre 1988 e 1992, coordenador de várias turmas do MBA executivo e professor em todos os níveis de cursos oferecidos: Mestrado, Doutorado e Formação Executiva. Desde 1990 é professor visitante do Instituto de Empresa em Madri, sendo que entre outubro de 1994 e abril de 1996 exerceu, em tempo integral, a função de Diretor da Área de Operações e Logística. Em 1998 voltou ao COPPEAD e, desde então, foi Chefe da Área de Operações, Logística e Tecnologia e Coordenador das 10 primeiras turmas do MBA Logística. Foi Vice-Diretor de Educação Executiva entre março de 2005 e fevereiro de 2008. Atualmente é professor titular da Cátedra AMIL em Gestão de Serviços de Saúde e Coordenador do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde. Suas áreas de interesse de pesquisa são Operações de Serviços e Estratégia de Serviços Logísticos. É um dos autores dos livros “Logística Empresarial – a perspectiva brasileira” e “Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos”. É autor, também, de inúmeros casos de ensino e de artigos publicados em revistas técnicas e acadêmicas no Brasil e no Exterior.

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