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A crise dos caminhões e a surpresa do que parecia certo

Cenário que levou a essa situação começou a se formar em 2014

Mesmo após décadas acostumados à situação insustentável do transporte de carga no Brasil, a magnitude da crise do setor e o seu impacto no cotidiano do país ainda causam grande surpresa na população.

Para entender o atual momento, é importante voltarmos até o período pré-crise de 2014, quando a economia estava em expansão e havia aumento da demanda por transporte rodoviário, que já era demasiadamente grande.

Ante o cenário positivo do mercado nacional e o crédito fácil e barato no setor rodoviário, as transportadoras e os autônomos investiram como nunca em novos caminhões.

Entretanto, no meio de 2014, a economia começou a arrefecer, e a demanda por transportes deu seus primeiros sinais de fraqueza.

No desespero de conter a inflação, o governo, por meio da Petrobras, congelou os preços dos combustíveis, embora, no mercado internacional, o preço do barril de petróleo estivesse subindo.

Assim, a Petrobras sistematicamente comprava combustível no exterior por um preço superior ao seu preço de venda no Brasil; no entanto, pela interferência do governo, só foi autorizada a aumentar os preços após as eleições.

Nesse momento, os reajustes nos preços dos combustíveis trouxeram um impacto grande na economia já fragilizada, derrubando ainda mais a demanda por transporte. Altamente endividados pela compra de veículos novos, as transportadoras e os autônomos se viram em uma encruzilhada. Com a demanda por transporte em baixa, tinham pouco poder de barganha com os embarcadores e, consequentemente, não conseguiram repassar o aumento dos custos com os combustíveis.

É importante ressaltar que qualquer variação na atividade econômica no Brasil acaba sendo amplificada no modal rodoviário, por conta da capacidade limitada de transporte dos outros modais. Quando o PIB brasileiro cai, a movimentação por caminhão cai em proporção maior; quando sobe o PIB, a movimentação dispara.

Devido à carência de investimentos nos outros modais, são os caminhões quem dão conta do movimento extra de carga quando a economia está crescendo.

Assim, naturalmente, quando a economia se contrai, é o modal rodoviário quem mais sente a crise.

Esse cenário de queda na demanda por transportes continuou até meados de 2017, quando o setor começou a se recuperar. Com transportadoras e autônomos altamente endividados, também foi reduzida a compra de veículos, com impacto na oferta justamente no momento em que a demanda se recuperava, permitindo um maior aumento de barganha por parte das empresas de transporte.

No final do ano, porém, o acumulado dessa recuperação econômica ainda era baixo para as empresas contratantes; os transportadores tentavam forçar o aumento no preço dos fretes, mas as empresas se negavam a aceitar.

Começou, então, uma forte queda de braço, com as transportadoras tentando recuperar as margens e os embarcadores tentando evitar os aumentos, pois ainda saíam da crise e não conseguiam acomodá-los nos seus orçamentos.

Nesse meio-tempo, a Petrobras passou a adotar uma política de preços flutuantes, que mudam de acordo com o preço do barril de petróleo no mercado internacional e o valor do dólar. Essa política é importante para evitar as perdas que ocorreram na empresa no período de preços congelados, mas é razoável que esses aumentos aconteçam mensalmente, para permitir maior previsibilidade aos transportadores.

Dessa forma, a Petrobras entrou nessa queda de braço que já era travada entre embarcadores e transportadores (e autônomos), junto também com o governo, por conta dos elevados impostos que compõem os preços dos combustíveis.

Estava, então, montado o cenário que levou à atual greve dos caminhoneiros, com impacto em todos os setores e na vida de todos os brasileiros, comprovando a fragilidade do nosso sistema de transporte.

Como todo brasileiro, espero ansiosamente o fim da greve. Ao mesmo tempo, espero que o Brasil tenha aprendido a lição. É fundamental investir em infraestrutura para o desenvolvimento do país, para que o Brasil saia da armadilha de ser caro para quem contrata e barato para quem é contratado.

Por mais antagônico que isso possa parecer, precisamos de mais e melhores ferrovias, hidrovias e dutos (e até mesmo rodovias) para que o transporte rodoviário se desenvolva naquilo que é a sua verdadeira vocação, mantendo-se vital e imprescindível ao país.

 

Mauricio Lima

Mestre em engenharia de produção (Coppe-UFRJ) e sócio-diretor do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain)

 

https://ilos.com.br

Maurício Lima é Sócio-Diretor do ILOS. Tem experiência como professor e consultor nas áreas de planejamento de demanda e de estoques, Operações de transporte, Logística e Supply Chain Management em grandes empresas. Desenvolve periodicamente pesquisas de Custos Logísticos no Brasil e tem diversos artigos publicados em periódicos e em revistas especializadas. É também um dos autores dos livros: “Logística Empresarial: A Perspectiva Brasileira” e “Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos”.

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