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UTILIZAÇÃO DE PLANILHAS ELETRÔNICAS COMO INTERFACE PARA MODELAGEM DE PROBLEMAS DE PROGRAMAÇÃO MATEMÁTICA

O efeito da popularização dos computadores e sua contribuição para uma maior utilização de técnicas de pesquisa operacional nas empresas são bastante conhecidos. A redução do seu custo, juntamente com o aumento de seu desempenho, permitem hoje que até mesmo problemas de otimização de grande porte sejam tratados em computadores pessoais. Isto, nas salas de gerentes e analistas e não mais nos centros de processamento de dados onde ficam – ou ficavam – os mainframes.

Esta evolução do hardware veio acompanhada de uma evolução dos softwares, contribuindo também significativamente para uma maior utilização da pesquisa operacional nas empresas. E isto não foi diferente para os aplicativos de programação matemática, que são o assunto de interesse deste estudo. Estes aplicativos podem ser vistos como a conjunção de dois softwares, distintos um do outro, mas complementares nas suas funções:

  • O primeiro é o solver, que recebe como dado de entrada a matriz que representa o problema de programação matemática com suas restrições e função objetivo, aplica um ou mais métodos de otimização (simplex, simplex revisado, dual simplex, pontos interiores, branch and bound e outros), retornando os valores ótimos das variáveis.
  • O segundo software, a interface, tem a função básica de gerar esta matriz, a partir de um formato que dependerá da implementação, podendo ser uma linguagem de modelagem algébrica, uma planilha eletrônica etc. As interfaces possuem instrumentos para preparação de dados, análises de resultados, alteração e formulação de modelos.

Buscando alcançar uma parcela cada vez maior de usuários, os fornecedores destes aplicativos procuraram desenvolver interfaces mais amigáveis cuja utilização não ficasse restrita aos especialistas. Desta forma, inovações foram incorporadas no sentido de oferecer maior facilidade e rapidez na modelagem bem como uma maior e melhor  conectividade a sistemas de bases de dados usualmente utilizados e comercializados no mercado como os produtos Access, Dbase, ou mesmo Excel e Lotus 123. Evidentemente que os avanços obtidos não se limitaram a uma melhor interface, mas também a solvers mais eficientes, incorporando os últimos desenvolvimentos em termos de algoritmos, capazes de tratar problemas maiores e em menor tempo, mesmo em computadores pessoais.

No entanto, ao apresentar seus produtos, os fornecedores tem dado grande destaque  à facilidade de desenvolvimento e utilização dos modelos, bem como à sua conectividade, como se pode observar através dos anúncios destes softwares em revistas especializadas e também através das suas home-pages, divulgadas na Internet. Demonstram, portanto, estar atentos às necessidades de seus potenciais clientes, pois como indica uma pesquisa realizada por Ballou & Masters [1], o principal critério de escolha na seleção de softwares para localização e distribuição da produção, um subconjunto importante das aplicações de programação matemática, é justamente a facilidade de utilização. Em segundo e quarto lugar no ranking desta pesquisa, vêm a utilização de gráficos para visualização de resultados e a compatibilidade entre sistemas (conectividade), características relacionadas à interface. Por último, a velocidade computacional. Estes resultados são apresentados na figura 1 abaixo.

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Dentre os aplicativos atualmente disponíveis encontram-se os que utilizam o ambiente de planilhas eletrônicas como interface para construção de modelos de programação matemática. Estes se destacam justamente pela facilidade de modelagem e pela não exigência de conhecimentos de uma linguagem específica, a não ser as operações básicas utilizadas nas planilhas comuns. De fato, tem crescido a sua utilização, mesmo em outras áreas da pesquisa operacional como simulação, análise de risco, previsão de demanda, tirando proveito da grande aceitação que as planilhas têm no meio empresarial: há estimativas de que existem atualmente cerca de 30 milhões de usuários [3].

Entretanto, longe de se tornar um padrão dominante, a adoção de planilhas eletrônicas como interface para modelagem de problemas de programação matemática apresenta limitações que devem ser comparadas às vantagens oferecidas.

O objetivo deste estudo é o de avaliar as características desta interface, identificando as suas vantagens e desvantagens, a partir de uma experiência recente no desenvolvimento de um modelo de otimização para uma indústria de bebidas. A elaboração desse projeto permitiu avaliar as características do otimizador baseado em planilhas tanto no que se refere aos aspectos de modelagem e desenvolvimento do sistema, quanto também aos aspectos relativos a sua implementação na empresa e utilização pelos usuários.

A avaliação se baseou em critérios subjetivos, a partir da percepção dos envolvidos na criação do modelo. Também foram consideradas experiências anteriores no desenvolvimento de modelos similares, onde se utilizou diferentes interfaces para modelagem.

II – CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PROBLEMA ESTUDADO

O modelo foi desenvolvido para uma industria de bebidas com o objetivo de apoiar o planejamento de curto prazo da fabricação e distribuição de seus produtos em um sistema multi-plantas e de abrangência nacional. A sua utilização tinha como requisitos ser simples, de fácil compreensão, não exigindo dos seus usuários conhecimentos profundos de nenhuma técnica ou linguagem computacional.

O modelo combinado de produção e transporte é um PPL cuja função objetivo é a maximização da margem líquida da empresa. As variáveis de decisão referem-se à quantidade de cada produto a ser produzida em cada fábrica, às alocações fábrica-depósitos e as transferencias entre fábricas. A rede logística da empresa é composta por 8 fábricas e  72 depósitos, sendo produzidos 44 produtos. As principais restrições envolvidas são as restrições de capacidade de produção e as restrições de demanda, que devem ser totalmente atendidas. No total somam 28.150 variáveis e 3.400 restrições.

III – AS INTERFACES DOS SOFTWARES EXISTENTES

Uma interface típica utiliza uma linguagem de modelagem para representar a formulação do problema de programação linear. Uma variedade dessas linguagens e que são bastantes utilizadas são as linguagens de modelagem algébricas. Estas se baseiam na notação matemática tradicional, para representar as restrições e a função objetivo do PPL.

Abaixo está indicada a formulação matemática de um PPL simbólico.

A modelagem deste problema, utilizando uma linguagem algébrica (AMPL) é mostrada abaixo:

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Uma das razões de sua grande utilização, conforme apontado por um dos responsáveis pelo desenvolvimento de uma dessas linguagens algébricas [2], é sua familiaridade a qualquer um que tenha noções de álgebra e cálculo. No entanto, é justamente por não exigir nenhum tipo de conhecimento de álgebra ou cálculo ou mesmo da notação matemática tradicional, que as interfaces baseadas em planilhas eletrônicas tem aumentado sua popularidade.

IV – AS INTERFACES BASEADAS EM PLANILHAS ELETRÔNICAS

O mesmo PPL formulado acima pode ser representado através de um planilha eletrônica, conforme mostrado abaixo, onde se utilizou o otimizador baseado em planilhas What’s Best! .

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A fórmula =WB (… refere-se a uma das funções adicionadas às funções básicas do Excel quando se instala o software What’s Best!. Neste caso, é utilizada para representar as restrições do problema. As variáveis, a não ser que se defina ao contrário, são positivas.

A fórmula somaproduto é uma das fórmulas padrão do Excel e retorna como resultado a soma do produto dos elementos correspondentes de duas ou mais matrizes; neste caso as matrizes cj e Xj.

Neste exemplo, a célula G1 foi definida como a célula cujo valor deve ser maximizado. As células D4 e D5 foram definidas como as variáveis de decisão, ou seja, as células que terão seus valores ajustados de forma  maximizar o valor da célula G1.

V – VANTAGENS OBSERVADAS

V.1 – Facilidade de entendimento

Em grande parte das aplicações, os usuários dos modelos não são necessariamente os mesmos que os desenvolveram. Desta forma, a não ser que a atuação do usuário seja extremamente limitada em relação à interação com o modelo, é desejável que este seja o mais transparente e acessível possível para que o seu entendimento e posterior operação sejam facilitados. Estas são, sem dúvida, características desta interface.

Por utilizar apenas fórmulas padrões das planilhas eletrônicas, permite aos seus usuários um entendimento de sua lógica, sem exigir o conhecimento de nenhuma linguagem de modelagem específica. Além disto, a formulação e montagem das restrições e função objetivo obedece às mesmas regras das planilhas comumente utilizadas nas empresas.

V.2 – Alta conectividade

A conectividade refere-se à capacidade da interface de estabelecer conexões entre diferentes bases de dados, facilitando a importação e exportação de dados.

Em aplicações operacionais como a que foi desenvolvida para a indústria de bebidas, os parâmetros do modelo variam com muita freqüência e a responsabilidade por sua atualização é feita por vários setores diferentes da empresa:

  • Os coeficientes de custo de transporte são atualizados pelo setor de transportes que freqüentemente monitora e avalia os custos de frete;
  • Os índices de rendimento de produção para cada produto são medidos e atualizados pelo setor de planejamento e controle industrial;
  • As margens líquidas unitárias de cada binômio produto-mercado são estabelecidas e atualizadas pelo setor de marketing.

Neste caso, é necessário dispor de meios eficientes de importação e exportação de dados. É relevante, portanto, possuir alta conectividade para que a atualização dos parâmetros seja feita de forma rápida e segura.

Nas planilhas, a comunicação entre bases de dados se dá com bastante facilidade, seja através de links dinâmicos, onde uma planilha faz referência a outra, ou mesmo através da importação de arquivos, já que estas suportam uma extensa gama de formatos de diferentes bases de dados.
V.3 – Facilidade de customização

A facilidade de customização refere-se à facilidade de alterar e incluir características ao sistema de forma a adequá-lo a necessidades específicas dos usuários.

Um exemplo dessas características, tendo como base o modelo desenvolvido para a indústria de bebidas, refere-se à geração automática de relatórios gerenciais ligados às variáveis de decisão do modelo. Desta forma, uma série de medidas de desempenho puderam ser obtidas com facilidade, de acordo com interesses específicos. Por exemplo, foram desenvolvidos relatórios sobre a capacidade ociosa das fábricas depois de realizadas as alocações, relatórios informando as quantidades totais transferidas entre fábricas e as produções de cada uma. Do ponto de vista econômico, foram desenvolvidos relatórios informando a margem líquida agregada por produto, ou por fábrica ou mesmo por depósito.

Além de relatórios, uma série de procedimentos particulares como checagem de inconsistências nos dados de entrada, atualização automática de dados, checagem de capacidade disponível, puderam ser implementados a partir dos recursos de macros incluídas nas planilhas eletrônicas.

É preciso observar que o que se destaca aqui não é a exclusividade do ambiente de planilhas na capacidade de desenvolvimento de tais recursos, já que outras interfaces também  o permitem, seja através de exportação de dados para sistemas de manuseio de dados mais flexíveis, seja através da utilização de linguagens de programação genéricas. O que se destaca é o baixo custo deste desenvolvimento, já que as ferramentas necessárias estão disponíveis nas próprias planilhas e seu uso bastante difundido.

VI – A DESVANTAGEM: DIFICULDADE DE ALTERAÇÃO DA LÓGICA E DAS DIMENSÕES DO MODELO

A grande deficiência da utilização de interfaces baseadas em planilhas foi percebida logo no início do desenvolvimento do modelo para a indústria de bebidas. Inicialmente projetado para considerar a existência de 60 depósitos teve que ser reformulado para acomodar mais 12 em função de mudanças ocorridas na estrutura da empresa. Esta modificação implicou em rescrever praticamente todo o modelo, envolvendo várias horas de trabalho. Da mesma forma, atendendo a mudanças na política de marketing da empresa, o problema se repetiu quando foi alterado o mix de produtos, sendo necessário retirar alguns e incluir outros.

Este é, portanto, o ponto fraco desta interface. Ao incluir ou excluir um item do modelo, neste caso um depósito ou um produto, alteram-se as referências entre células, sendo necessário rescrever as fórmulas que definem as relações do modelo.

Ao se comparar com outras interfaces, por exemplo as que utilizam linguagens de modelagem algébricas, em que a mudança de escala do modelo consiste basicamente da mudança da cardinalidade de índices, fica evidente a limitação das planilhas pela sua falta de flexibilidade, tanto na mudança da dimensão do modelo, quanto nas mudanças das inter-relações dos elementos do modelo, ou seja, na sua lógica.

VII – CONCLUSÃO

As vantagens observadas estão intrinsecamente relacionadas ao fato das planilhas eletrônicas já serem largamente utilizadas nas empresas. Como conseqüência, encontra-se uma maior facilidade na implementação de soluções baseadas neste ambiente, justificada principalmente pelo fato de os usuários terem menos dificuldades em utilizá-las.

A grande e praticamente única desvantagem observada refere-se a pouca flexibilidade na alteração da lógica e da dimensão dos modelos desenvolvidos em planilhas. Se esta desvantagem é mais ou menos crítica, podendo ou não contra-indicar a sua aplicação, irá depender do tipo e freqüência das mudanças que se façam necessárias na estrutura e dimensão do modelo.

O desenvolvimento de interfaces mais amigáveis, como as baseadas em planilhas eletrônicas, sem dúvida representa um impulso no sentido de aumentar a utilização de técnicas de programação matemática, já que estas interfaces minimizam as dificuldades de utilização por não especialistas. No entanto, a sua utilização não contribui no sentido de reduzir a atuação de profissionais especializados na construção de modelos, mas sim no sentido de aumentar a quantidade de profissionais não especializados na operação dos aplicativos.

VIII – BIBLIOGRAFIA

  1. BALLOU, H. Ronald; MASTERS, James M. Commercial software for locating warehouses and other facilities. Journal of Business Logistics, vol. 14, no 2, 1993, p. 71 – 107.2. FOURER; GAY; KERNIGAHAN. AMPL: a modeling language for mathematical programming. The Scientific Press, 1993.
  2. FOURER, Robert. Software survey: linear programming. OR/MS Today – On Line Edition,  vol. 24, no. 1, February, 1997.
    URL: http://lionhrtpub.com/orms/orms-2-97/Linear-Programming.html4. SAM, Savage; Weighing the pros and cons of decision technology in spreadsheets. OR/MS Today – On Line Edition., vol. 24, no. 1, February, 1997.
    URL: http://lionhrtpub.com/orms/orms-2-97/savage.html
  3. What’s Best! User’s Manual. Editado por Lindo Systems, Inc., 1996.

IX – REFERÊNCIAS ON LINE

AMPL (Compass Modeling Solutions, Inc.): http://www.modeling.com Frontline Systems (otimizadores para planilhas): http://www.frontsys.com AIMMS (Paragon Decision Technology) http://www.paragon.nl What’s Best!   – otimizador para planilhas (LINDO Systems, Inc.):  http://www.lindo.com

CPLEX (CPLEX Optimization, Inc.): http://www.cplex.com

Autores: Leonardo Lacerda e Rafael Vasconcellos

https://ilos.com.br

Engenheiro de Produção pela EE/UFRJ, possui Mestrado em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ em Pesquisa Operacional. Suas linhas de pesquisa são: simulação, modelos de otimização para sistemas logísticos e tecnologias de informação para armazenagem.

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