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LOGÍSTICA, SOJA E COMÉRCIO INTERNACIONAL

Atualmente o Brasil passa por uma situação bastante promissora no que diz respeito a sua balança comercial. O total das negociações internacionais (soma das importações e exportações brasileiras) ultrapassou os US$ 120 bilhões em 2003. Especificamente as exportações chegaram a US$ 73,1 bilhões, apresentando uma tendência crescente ao longo dos anos. Para 2004, o governo espera um número ainda maior do que os registrados em 2003.

Entretanto, este cenário aparentemente bastante promissor pode estar ocultando uma perda de competitividade internacional, pois embora os números absolutos estejam crescendo, o país perde posições no ranking dos maiores exportadores do mundo. As exportações brasileiras, que em 1984 chegaram a representar 1,5% de todas as exportações mundiais, em 2003 passaram a representar 1,0%. Ao contrário do que vem acontecendo com a curva de exportação, o percentual de participação do Brasil no mercado global está diminuindo, e atualmente o país é apenas o 25º país exportador do mundo (ver Figura 1).

FIGURA 1: Exportações anuais no Brasil e Participação % nas exportações mundiais
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A perda de posições no ranking dos grandes exportadores mostra que o Brasil pode estar perdendo a oportunidade de um crescimento ainda maior nas suas exportações.

Um indicador que certamente demonstra que o país ainda tem muito a desenvolver em seu comércio externo é obtido quando se compara a representatividade das exportações em relação ao PIB. No Brasil, as exportações equivalem a 15% em relação ao seu PIB, enquanto que em países como México e Coréia, os percentuais são de 26% e 32%, respectivamente. O percentual brasileiro está mais próximo ao do americano (9%), país tipicamente consumidor que se caracteriza por apresentar saldo negativo de sua balança comercial.

Vários fatores podem estar levando o Brasil a esta perda de competitividade frente a outros países do mundo e ao pouco aproveitamento de todas as oportunidades de crescimento. É neste ponto que se deve começar a pensar em relação à capacidade logística brasileira.

Algumas das maiores empresas exportadoras brasileiras indicam que suas principais restrições para aumento do volume exportado estão relacionadas aos custos e às incertezas inerentes ao processo de escoamento da produção no Brasil.

Algumas dessas empresas são empresas pertencentes ao setor agrícola, principalmente ao setor de venda de commodities. Empresas que comercializam tais produtos – que representam muito na pauta de exportações brasileiras – têm seu retorno fortemente dependente dos custos incorridos em todo o processo produtivo, desde o suprimento, à produção e distribuição. No caso das commodities agrícolas, os preços de venda seguem um padrão estabelecido globalmente, fazendo com que as empresas dependam bastante da manutenção de custos baixos para ganhar competitividade.

Neste sentido, pode-se supor que as dificuldades logísticas têm uma parcela importante na perda de competitividade internacional das empresas situadas no Brasil, e isto tem bastante relevância principalmente para os produtos com baixo valor agregado com elevados volumes negociados, como é o caso da soja.

O CASO DA SOJA

Alguns números

A seguir do minério, a soja e seus derivados sãos os produtos que mais geram volume (em toneladas) de exportação no Brasil (36 milhões de toneladas), exigindo bastante da estrutura logística do país. As empresas que comercializam soja prevêem para os próximos anos um crescimento significativo da safra e do volume exportado. Para se ter uma idéia, a safra brasileira no ano 2000 foi de 32 milhões de toneladas e em 2003 chegou a 52 milhões de toneladas, um crescimento de 63% em três anos. Esses números fazem do Brasil o segundo maior produtor de soja do mundo, depois dos Estados Unidos.

As exportações do complexo sojai  equivalem a cerca de um terço de toda a exportação agrícola do Brasil e 11% de todo o valor exportado pelo país, o que representou US$ 8,1 bilhões em 2003.

Não somente a produção, mas também a produtividade do plantio aumentou. Segundo a Conab, no ano de 2003, a produtividade média no Brasil foi de 2818 kg de soja por hectare plantado, indicador que há 10 anos atrás girava em torno de 2200 kg/ha.

Mas os aumentos da produtividade e da produção de soja podem esbarrar na capacidade de escoamento do país, que tem investido menos do que as previsões e necessidades estimadas pelas empresas. Na contramão do aumento da produção, o governo, que havia previsto investimentos na área de transportes de R$ 22,7 bilhões para o período de 2000 a 2003 no plano Avança Brasil, investiu apenas R$ 16,2 bilhões, segundo levantamento do Ministério do Planejamentoii .
Características do escoamento da soja

Uma característica importante do processo de escoamento da soja é a sazonalidade existente devido ao período de safra. No Brasil, o plantio é feito no final do ano e a colheita no primeiro semestre. Tendo em vista que a colheita dos EUA ocorre no segundo semestre, a exportação brasileira deve ocorrer no primeiro semestre, e o escoamento acaba concentrando-se neste período. Pensar em armazenar a soja para diluir o escoamento ao longo de todo o ano aparentemente não é bom negócio. A concentração então acaba gerando picos de necessidade na estrutura logística do país, que devem ser comportados pelos portos, rodovias e ferrovias.

Por sua vez, a importação de fertilizantes, realizada para suprir a demanda necessária para o plantio agrícola, utiliza o fluxo inverso da exportação da soja, isto é, no Brasil, os defensivos são importados no segundo semestre, são recebidos nos portos e seguem para as regiões produtoras do país. Vale ressaltar, entretanto, que os volumes de importação de fertilizantes são bem menores do que a movimentação de soja para exportação.

As áreas de plantio da soja estão localizadas principalmente na região Sul e região Centro-Oeste. Esta última, entretanto, é a mais promissora em termos de possibilidades de expansão da área plantada e da produtividade por hectare. Este fenômeno de expansão reforça ainda mais a necessidade de melhoria da estrutura logística de escoamento, pois o crescimento está ocorrendo para o interior do país, em locais ainda mais distantes dos principais portos de escoamento utilizados atualmente.

A Figura 2 apresenta os volumes exportados pelo complexo soja em cada porto, além dos volumes de produção de soja em cada região do país em 2002. Observa-se que o escoamento ocorre principalmente através dos portos de Paranaguá, Santos e Rio Grande. As exportações destinam-se principalmente à China e à Europa.

FIGURA 2: Produção de Soja por Região (Embrapa 2002/03) e
Volume de soja e derivados exportados pelos principais portos (Antaq 2002)
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Principais portos UF Volume de soja exportado em 2002 (toneladas)
Porto de Paranaguá PR 10,7 milhões
Porto de Santos SP 7,7 milhões
Porto do Rio Grande RS 3,9 milhões
Terminal de Tubarão ES 2,9 milhões
Porto de São Francisco do Sul SC 1,8 milhões
Porto de Porto Velho RO 1,1 milhões
Porto de Itaqui MA 0,6 milhões
Porto de Ilhéus BA 0,5 milhões
Fonte: Antaq

A questão das ferrovias e dos portos

Os modais tipicamente mais eficientes para escoamento de produtos com as características da soja produzida no Brasil (grandes volumes, longas distâncias e valor agregado relativamente baixo) certamente são as ferrovias e hidrovias. Tais modais, embora exijam um maior tempo de transporte, têm capacidade bem mais elevada e, quando disponíveis, podem trazer economia de custos e redução de perdas. O papel do modal rodoviário, por sua vez, seria de atuação nas “pontas”, levando os grãos aos terminais ferroviários ou hidroviários.

Mas o Brasil, mesmo possuindo um território de dimensões continentais, é um país tipicamente rodoviário. Para se ter uma idéia, a disponibilidade de vias ferroviárias no Brasil (medido pelo índice km de via por km2 de extensão territorial) representa 55% da disponível na China, 40% da disponível no Canadá, 32% do México e 12% dos Estados Unidosiii.

A infraestrutura ferroviária e hidroviária do país não é suficiente para realizar o escoamento de grãos. Isto faz com que seja necessária a utilização de caminhões para o transporte de mais da metade da produção de soja brasileira, mesmo quando as distâncias a serem percorridas são elevadas. Acontece que um caminhão carrega cerca de 150 vezes menos soja do que uma composição ferroviária e cerca de 600 vezes menos do que um comboio de barcaças numa hidrovia como a do Rio Madeira. E além dessa menor produtividade para longas distâncias e grandes volumes, o transporte rodoviário é mais poluente, gasta mais combustível e registra índices de acidentes muito mais elevados.

Mas não é apenas infraestrutura que o país precisa melhorar no setor ferroviário. Algumas questões também importantes dizem respeito à interação entre as concessionárias ferroviárias e aos tempos de carregamento e descarregamento de vagões nos terminais. Tudo isso leva a um aumento do tempo total de escoamento da safra, atrapalhando a eficiência e a velocidade para realização das exportações.

Por sua vez, a questão dos portos também tem sido bastante discutida no país, pois os portos enfrentam uma série de problemas que prejudicam as exportações e a competitividade brasileira no mercado mundial.

Conforme mencionado, a concentração nos períodos de safra exige maior capacidade dos portos, principalmente de Paranaguá, Santos e Rio Grande, por onde passam as maiores quantidades de soja para exportação.

A pouca disponibilidade de armazenagem, a baixa quantidade de píeres, a falta de coordenação entre o que é enviado e o que pode ser recebido pelo porto, além da demora nos procedimentos burocráticos foram algumas das causas que geraram problemas sérios em Paranaguá no escoamento da safra do primeiro semestre de 2004. As principais conseqüências foram os grandes congestionamentos, tanto em terra quanto no mar: a fila de caminhões que se formou no porto para descarregamento chegou a mais de 120 km e o tempo de espera de navios foi excessivo, chegando ao ponto de um navio aguardar até 60 dias no porto.

Problemas de calado e falta de dragagem, dificuldades de acesso aos portos tanto por ferrovia quanto por rodovia e as constantes greves de entidades que de alguma forma fazem parte do processo de comércio internacional são também pontos críticos que reduzem a eficiência no escoamento das exportações brasileiras.

Os terminais portuários privativos (de uso exclusivo de uma mesma empresa) não costumam ser tão afetados quanto os de uso não exclusivo. Isto porque um terminal privativo é capaz de gerenciar de forma mais acertada a chegada e saída de caminhões, trens e navios, coordenando melhor os fluxos de produtos.

Mas de forma geral, levantamentos realizados pelo CEL/COPPEAD com empresas exportadoras indicam que os portos que realizam escoamento de grãos estão praticamente no limite de suas capacidades, e que se as previsões de aumento de safra se concretizarem, podem ocorrer sérios problemas logísticos com o esgotamento das possibilidades de movimentação nos portos.

Estimativas apresentadas no 2º Congresso Brasileiro de Agribusiness em junho de 2003 em Brasíliav  indicaram que o país necessita aumentar a capacidade de escoamento anual dos portos em no mínimo 31 milhões de toneladas. Tais mudanças precisariam ocorrer até 2012 para comportar as previsões de aumento na movimentação de grãos. O mesmo trabalho mostra que, dentre os portos com necessidades de ampliação de capacidade estão os de: Paranaguá, São Francisco do Sul, Santos, Sepetiba, Vitória, Ilhéus, Aratu, São Luís e os portos do Rio Amazonas (Itaituba, Itacoatiara, Santarém e Vila do Conde). E é claro que o aumento de capacidade deve vir juntamente com a melhoria do acesso aos portos.

Alguns indicadores de custos

Os problemas logísticos apresentados se refletem em perda de eficiência do país e essa perda pode ser medida em termos de custos reais para as empresas.

Um exemplo de aumento de custos causados por ineficiência nos portos foi calculado pela multinacional Bunge e apresentada ao governov. As previsões realizadas indicam que as empresas que escoam grãos para o mercado internacional pagarão em 2004 US$ 1,2 bilhões de multa por espera de navios nos portos brasileiros. Este custo de sobre-estadia, chamado de “demurrage” é pago pelas empresas quando há atrasos no embarque ou desembarque nos portos. A estimativa considerou que, no Brasil, os navios esperam em média 22 dias e que cerca de 1000 navios tipo Panamax, com capacidade de 50 mil toneladas, são utilizados para escoar a safra anual de grãos.

Os prejuízos com essas ineficiências vêm crescendo ao longo dos anos, tendo em vista que os preços pagos por um dia de navio parado aumentaram consideravelmente. Em 2002, o valor de “demurrage” médio era de US$ 12 mil/dia, e em 2004 o valor dessa sobre-estadia subiu para US$ 50 mil/dia. O aumento de preços foi causado principalmente por conta da elevação da demanda da China, que acabou por deslocar para seu mercado uma grande quantidade de navios que atuavam no restante do mercado mundial.

Além dos custos de “demurrage”, o Brasil também perde competitividade quando se calculam os custos de escoamento interno (da área produtiva até o porto). Estimativas da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – ABIOVEvi   indicam que o custo de escoamento interno no Brasil é cerca de 80% maior do que dos Estados Unidos (nos EUA, o custo do transporte do interior até o porto é de US$ 15/ton e no Brasil é de US$ 27/ton). As estimativas mostram que se esses custos da logística interna do Brasil fossem iguais aos dos EUA, poder-se-ia ter economizado US$ 432 milhões no escoamento dos 36 milhões de toneladas exportadas em 2003, isto considerando apenas as exportações do complexo soja. Se os mesmos cálculos fossem feitos para todos os produtos agrícolas exportados, certamente a agricultura brasileira economizaria mais de US$ 1 bilhão por ano.

ANÁLISES ADICIONAIS

Não é somente a soja que enfrenta problemas logísticos para escoamento no país. Realizando uma análise adicional em empresas de outros setores, é possível verificar que fabricantes de produtos de alto valor agregado também passam por dificuldades; e essas dificuldades podem ser bastante diferentes das observadas no escoamento de granéis sólidos.

Destacam-se a pouca agilidade dos procedimentos burocráticos e a falta de containers devido ao desbalanceamento entre importações e exportações como pontos que afetam a agilidade das empresas. Vale ressaltar ainda que dificuldades na importação de produtos também podem afetar as exportações. É o caso de algumas empresas de eletrônicos, que dependem de itens importados para poder fabricar produtos que em seguida serão exportados. Tais empresas são bastante afetadas em períodos de greve, quando o processo de importação se torna mais lento. Greves longas esgotam os estoques de matéria-prima das empresas – que em geral são baixos, pois os produtos são de alto valor – atrasando a produção para exportação.

As incertezas nos tempos a serem gastos com o processo logístico podem gerar dificuldades no cumprimento de prazos de entrega e necessidade de elevação dos níveis de estoque, às vezes armazenados fora do país. Tais fatores certamente representam custos adicionais bastante representativos aos exportadores de produtos de alto valor agregado.

CONCLUSÃO

As melhorias logísticas no país podem aumentar a competitividade internacional brasileira, aumentando a confiabilidade nos tempos de entrega e reduzindo os custos das ineficiências no processo de escoamento. Entretanto, as melhorias necessárias não servirão apenas para reduzir custos, mas para viabilizar o escoamento principalmente de grãos, cujas safras previstas para os próximos anos podem não ter como serem escoadas caso não sejam realizados investimentos.

Planos de melhorias para a logística brasileira já existem no governo, dentre eles o Plano de Revitalização das Ferrovias, estimado para ser realizado em 3 etapas, conforme estabelecimento de prioridades. No Plano Plurianual 2004-2007 também estão incluídas obras que buscarão melhorar a infraestrutura de portos considerados críticos. O governo prevê a realização dessas melhorias no sistema logístico principalmente através da obtenção de recursos com as PPPs (Parcerias Público Privadas).

BIBLIOGRAFIA

– Pinheiro, A.C., Markwald, R., Pereira, L.V.. (2002), O Desafio das Exportações, 1ª edição. BNDES, Rio de Janeiro, RJ.

– Transporte de Carga no Brasil – Ameaças e Oportunidades para o Desenvolvimento do País (setembro 2002). CNT e COPPEAD. Disponível no sitewww.ilos.com.br.

Os produtos do complexo soja englobam os grãos, o farelo e o óleo de soja.

ii Informação publicada no jornal Valor Econômico de 20 de maio de 2004.

iii Informação obtida no relatório – Os Caminhos para o Transporte no Brasil – CNT e COPPEAD (2002).

iv O 2º Congresso Brasileiro de Agribusiness – Construindo Estratégias, foi realizado em 24 e 25 de junho de 2003 no Palácio Itamaraty – Brasília – DF, e foi organizado pela ABAG – Associação Brasileira de Agribusiness.

Informação publicada no jornal Valor Econômico de 14 de maio de 2004.

vi Estimativa apresentada no 2º Congresso Brasileiro de Agribusiness – Construindo Estratégias, em junho de 2003.

https://ilos.com.br

Sócia-Executiva do ILOS, possui mestrado e graduação em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com mais de 10 anos de experiência na área de Logística e Supply Chain atuando em diversos projetos, gerenciamento e participação de pesquisas associadas ao tema. Possui mais de 20 artigos em jornais, revistas, periódicos e anais de congressos, sendo co-autora de diversos títulos da Coleção COPPEAD pela editora Atlas e da Coleção Panorama Logístico ILOS e CEL/COPPEAD.

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