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GERENCIAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE FORNECEDORES – PARTE 1

O mundo corporativo cada vez mais acredita na ideia de que uma empresa, para competir e sobreviver, deve construir e manter relações com fornecedores competentes e extrair o maior valor possível destas relações. Em outras palavras, a competência especializada dos fornecedores pode ter uma influência substancial na capacidade inovadora da empresa compradora e na sua habilidade de oferecer produtos com alta qualidade, contribuindo para elevação de suas vantagens competitivas.

Em determinadas indústrias, os gastos com fornecedores respondem por cerca de 60% a 70% do custo anual de produção, o que mais uma vez reforça a ideia da necessidade de integração com esses parceiros. Felizmente, as relações entre comprador e fornecedor têm evoluído nos últimos anos, acompanhando todo crescimento do setor de Compras/Suprimentos na conquista do seu posicionamento estratégico nas organizações.

Os modernos gerentes de suprimentos deixaram de lado aquela visão oportunista na relação com os fornecedores e passaram a enxergá-los como recursos necessários às operações e crescimento da empresa e, portanto, parceiros do negócio, buscando maior aproximação entre eles.

Estudos sobre o assunto comprovam que esses relacionamentos mais estreitos trazem, entre outras vantagens, a redução da base de fornecedores, com benefícios para o gerenciamento dos mesmos, que passa a ser efetuado sobre um número menor de integrantes daquela base. Por outro lado, a seleção de fornecedores passa ser uma atividade mais complexa e desafiadora, em função dos fatores que devem ser observados para garantir que os relacionamentos estreitos serão cultivados e mantidos numa perspectiva de longo prazo.

Vários caminhos podem ser estabelecidos para a integração com os fornecedores. A indústria automobilística no Japão introduziu a aproximação com seus fornecedores através de formações denominadas de Keiretsu, termo que designa um modelo empresarial em que há uma coalizão de empresas unidas por certos interesses econômicos. O interesse, neste caso, era decorrente da aquisição de uma fatia da empresa fornecedora pela montadora.

Uma alternativa bastante eficaz comprovada por resultados práticos e estudos acadêmicos foi a criação dos Programas de Desenvolvimento de Fornecedores (PDF), que também surgiram como uma iniciativa de integração na cadeia de suprimentos da indústria automobilística e que ficou conhecida como um esforço organizacional para se criar e manter uma base de fornecedores competentes que contribuísse para maior produtividade da montadora, aumento da satisfação dos seus clientes e melhoria no faturamento.

DESENVOLVIMENTO DE NOVOS FORNECEDORES

Tradicionalmente, uma das mais importantes atividades desempenhadas pelo setor de Compras é a seleção das organizações que integrarão a base de fornecedores e que, portanto, serão responsáveis pela manutenção do fluxo inbound de produtos e serviços do comprador. O processo de seleção mencionado é composto de diversas etapas que devem ser interdependentes e com diversos filtros para se chegar à eleição daqueles que serão considerados os mais indicados, de acordo com parâmetros estabelecidos.

A identificação de potenciais fontes de suprimentos é uma das primeiras etapas da seleção de fornecedores e é revestida de contornos especiais quando as alternativas de fornecimento são poucas ou quase nenhuma. O contínuo monitoramento do mercado supridor através de iniciativas como o estabelecimento de estrutura de inteligência de mercado pode facilitar muito a tarefa de busca de novos parceiros. É preciso que o comprador esteja captando todos os sinais de oscilações no conjunto de fornecedores. Quanto mais o comprador tem conhecimento sobre os participantes de um determinado mercado, maior é a sua capacidade de identificar fontes alternativas de suprimento.

Desse modo, alguns questionamentos emergem em decorrência do debate sobre o tema e devem então ser respondidos no decorrer do processo investigatório de novos fornecedores. Que informações devem ser levantadas a respeito do mercado fornecedor? Com que frequência deve ser feita essa análise? Que produtos e serviços devem ser contemplados na pesquisa? São alguns exemplos de interrogações que passam pela mente do pesquisador.

No que se refere à análise do mercado fornecedor, alguns fatores a serem observados podem ser encontrados na Figura 1.

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Figura 1 – Fatores de inteligência do mercado fornecedor

Por exemplo, em tempos de crise financeira global como a que estamos atravessando, é recomendável que os compradores conheçam detalhes sobre a fonte de suprimento de capital para os fornecedores, taxa de juros desses recursos, dificuldade para obtê-los e onde eles serão aplicados. Estas questões assumem importância, pois a facilidade na captação de recursos financeiros pode causar reflexos na capacidade de aquisição de máquinas e tecnologia para acompanhar o crescimento do comprador, suportar esforços de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos ou processos, manter os níveis atuais de recursos de informação tecnológica ou até mesmo investir em estoques para suportar as operações em andamento com o comprador.

A procura por inovações tecnológicas, por outro lado, está relacionada à constante preocupação das empresas por inovação dos seus produtos e melhorias de qualidade para permanecerem competitivas. Novas tecnologias podem ser obtidas através de desenvolvimento interno ou em conjunto com fornecedores que realizam o investimento de pesquisa e desenvolvimento. O conhecimento de quem possui a inovação é o primeiro desafio. O segundo é o convencimento do fornecedor inovador de que o comprador é um caminho lógico para que ele possa introduzir sua inovação.

O dinamismo do mercado supridor diz respeito aos constantes movimentos desse mercado, devidos, por exemplo, a alterações políticas entre países, influenciando a disponibilidade de fornecedores, e também a alterações em função de aquisições e fusões entre fornecedores e em decorrência de instabilidade financeira, levando à quebra de alguns deles.

Deixo ao leitor as reflexões sobre os demais pontos da Figura 1, devido às limitações de espaço neste texto e por entender que apenas a citação dos fatores listados na respectiva figura já transmite a ideia daquilo que deve ser investigado.

No tocante aos produtos e serviços que devem ser contemplados na investigação, vale ressaltar que o levantamento estruturado das informações e a análise do mercado fornecedor é um processo que demanda tempo e custo. Logo, não é recomendável que seja utilizado para todo e qualquer produto ou serviço adquirido. Recomenda-se a elaboração de estudos que identifiquem os itens mais importantes que mereçam os esforços da pesquisa sofisticada de que estamos tratando. Uma alternativa bastante conhecida pelas empresas é a utilização da matriz de categorias ou famílias, representada na Figura 2. Observa-se que emergem da análise da figura quatro grandes famílias de produtos correspondentes aos quadrantes da matriz, que é uma adaptação do trabalho seminal de Kraljic.

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Figura 2 – Matriz de Classificação dos Produtos
Fonte: Pesquisa CEL/Coppead – 2007

Desse modo, sugere-se que o esforço de inteligência sobre o mercado fornecedor abordando os fatores da Figura 1 comece com os itens estratégicos, depois com os gargalos e, finalmente, com os itens de alavancagem. Não se justifica o emprego deste levantamento de dados para os itens considerados como não-críticos, devido a sua pouca representatividade e baixo risco de fornecimento. Para estes últimos, a pesquisa simplificada utilizando as fontes de informações tradicionais atende aos objetivos de seleção dos novos fornecedores.

São apresentadas, a seguir, algumas iniciativas de empresas que, preocupadas em dinamizar sua base de fornecedores, empreenderam esforços para alternativas de fornecimento. A Whirlpool, por exemplo, desenvolveu recentemente uma parceria com a Braskem para substituição do aço no gabinete das lavadoras de roupas por resinas termoplásticas e, portanto, introduzindo uma nova linha de produtos. Segundo a Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, o objetivo da parceria com a Braskem não é a redução de custos de produção, mas a criação de uma linha de lavadoras mais leve e imune à ferrugem. Dependendo da aceitação do mercado, a fabricante de eletrodomésticos analisará também a possibilidade de elevar a participação do plástico em outros produtos, como refrigeradores, micro-ondas e até fogões (Valor Econômico, edição de 30/05/2008).

Outro exemplo também bem característico do assunto aqui abordado foi trazido pela imprensa a respeito da decisão da empresa francesa Turbomeca de visitar empresas instaladas na região do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, com a missão de escolher dois ou três parceiros estratégicos para a produção, em escala global, de componentes de turbinas de helicópteros.

Segundo a Turbomeca, o Brasil passou a ser considerado pela empresa como opção de fornecimento há cerca de dois anos, por conta do aumento da demanda mundial por helicópteros. Pontos importantes neste processo decisório foram fatos como a existência de leis brasileiras de proteção à propriedade intelectual e a disponibilidade de mão de obra qualificada localizada no entorno de São José dos Campos (SP), onde fica a sede da Embraer. Tais fatores foram suficientes para que o Brasil se destacasse em relação a países como China, Rússia e Índia, que têm custos salariais e de produção mais baixos (Valor Econômico, edição de 11/06/2008).

Por último, tem-se o exemplo da indústria automobilística, que durante muitos anos realizou a distribuição dos seus veículos para as concessionárias utilizando o transporte rodoviário com um equipamento chamado Cegonha (veja Figura 3).

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Figura 3 – Caminhão tipo Cegonha – conjunto cavalo mecânico e
semirreboque (um ou dois eixos), adequado ao transporte de
automóveis e utilitários com capacidade para até 11 veículos

Com o desenvolvimento do modal ferroviário no Brasil, surgiu então a opção de se utilizar este meio de transporte para os veículos produzidos nas montadoras, trazendo redução no custo de distribuição e proporcionando maior segurança nos deslocamentos. Já existem empresas especializadas no transporte ferroviário de automóveis, que dispõem de frota própria de vagões (veja Figura 4) e que podem montar uma logística de distribuição customizada para a montadora cliente. Além disso, os transportadores ferroviários possuem terminais estrategicamente situados em todo o Brasil, o que facilita o carregamento dos vagões.

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Figura 4 – Exemplo de vagão ferroviário para transporte de veículos

DESENVOLVIMENTO DOS ATUAIS FORNECEDORES

Este outro segmento do Programa de Desenvolvimento de Fornecedores (PDF) é normalmente direcionado para aqueles que necessitam de uma melhoria no desempenho por apresentarem deficiência em qualidade, tempo de entrega, necessidade de redução de custos, dificuldades financeiras e problemas na adoção de novas tecnologias. O programa também pode ser empregado como roadmap para auxiliar alguns fornecedores que precisam realizar aumento de capacidade.

O sucesso de um PDF depende certamente de alguns fatores, que podem ser considerados como críticos à execução da metodologia. Envolvimento da alta gerência, avaliação do desempenho dos fornecedores, emprego de times multifuncionais, ampla comunicação entre as partes envolvidas, perspectiva de longo prazo e foco no custo total de propriedade são exemplos que colaboram para o êxito das ações a serem empreendidas.

O envolvimento da alta gerência é determinante por diversos motivos. Primeiro, porque muitas interações com os fornecedores deverão ocorrer no nível mais elevado das organizações, devido a decisões estratégicas que podem ocorrer entre os parceiros. Segundo, porque muitas ações a serem desencadeadas nos níveis funcionais dependerão de recursos para sua execução. E, finalmente, pelo fato de que os altos gerentes conhecem as necessidades de suas empresas para permanecerem competitivas e, portanto, possuem melhores condições de avaliar a necessidade de implementação de um PDF.

A existência de um sistema de avaliação de fornecedores é outro fator muito importante para se identificar aqueles que necessitam do esforço de desenvolvimento. A existência desse sistema de medição por si só já traz melhorias na performance, pois os fornecedores tomam conhecimento de que estarão sendo medidos e, então, reagem positivamente a este fato, apresentando melhoras de desempenho. Porém, é igualmente importante comunicar aos fornecedores quais foram os resultados por eles obtidos quando da avaliação efetuada, para que o processo possa ter transparência e credibilidade.

Outro fato importante é que a empresa compradora deve buscar a integração interna e a unidade de opinião acerca do PDF, porque um programa dessa natureza envolve diferentes áreas da organização compradora interessadas no seu desdobramento. Certamente, questões ligadas à engenharia, qualidade, finanças e outras funções das duas empresas serão discutidas e é preciso que o respectivo setor esteja envolvido neste processo para opinar sobre estas colocações. Para tanto, é recomendável que seja estabelecido um grupo multifuncional para lidar com seus respectivos pares na estrutura do fornecedor, tudo isto facilitado e controlado pelo trabalho de coordenação do gestor do PDF do comprador que, normalmente, é o executivo do setor de suprimentos.

A comunicação nos dois sentidos da relação com o fornecedor é caracterizada como essencial na literatura que trata do assunto, conforme já atestada por outros pesquisadores. A ideia desta interação pode ser representada na figura 5.

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Figura 5 – Interação entre times multifuncionais
do comprador e do fornecedor

A iniciativa do estabelecimento de um programa de desenvolvimento de fornecedor pode envolver riscos para ambos os lados da relação. Logo, comprador e vendedor devem estar dispostos ao investimento de tempo, recurso e ativos dedicados ao programa. Assim, essas iniciativas só se justificam se for colocado logo de início que as ações e os resultados obtidos terão uma perspectiva de longo prazo.

Finalmente, o conceito de custo total de propriedade é importante para orientar as decisões sobre o programa de PDF, devido à necessidade de se considerar todos os custos envolvidos no programa e comparar com as expectativas de ganhos que se possa ter com este empreendimento.


CONCLUSÃO

O processo de se estabelecer e manter base de fornecedores de classe mundial deverá ser sempre contínuo, devido à introdução de novas tecnologias, mudanças no comportamento da demanda dos consumidores, alterações nos locais onde estão situados os fornecedores de baixo custo e mudanças nas necessidades das empresas compradoras. Assim, os gestores de suprimentos devem estar sempre atentos e implementar uma estrutura de pesquisa em suas organizações, para identificar novos fornecedores que possam dinamizar a base mencionada.

Além da preocupação com a formação da base de fornecedores, os executivos de suprimentos têm conferido destaque em suas agendas para o gerenciamento das relações com fornecedores. A importância do tema vem sendo confirmada pelo já comprovado sucesso experimentado por empresas no Brasil e no exterior decorrente da integração e colaboração com os seus parceiros de negócio.

Na próxima edição será desenhado um roteiro para implementação de um programa de desenvolvimento dos fornecedores em operação, com o propósito de contribuir para o fortalecimento das relações entre comprador e vendedor. O objetivo destes relacionamentos estreitos tem focado em melhoria na criação de valor ao longo de diversas dimensões, incluindo inovação, aumento no faturamento, continuidade do negócio e redução no custo total de propriedade.

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https://ilos.com.br

Ataíde Braga é Líder em Práticas de Compras e Suprimentos do ILOS. Foi certificado pela International Society of Logistics como Professional Logistician. É autor de diversos artigos publicados em revistas e congressos no Brasil e no exterior. Sua área de pesquisa está voltada para o relacionamento entre clientes e fornecedores industriais. Sua experiência profissional compreende a responsabilidade pela aquisição de equipamentos e sobressalentes no mercado internacional para manutenção em sistemas de confiabilidade crítica.

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