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FORMALIZANDO UMA POLÍTICA DE ESTOQUES PARA A CADEIA DE SUPRIMENTOS

Este texto é o segundo de dois artigos dedicados à análise da gestão de estoques, a partir de uma perspectiva diferente da visão tradicional. No primeiro artigo foram vistas as principais motivações para a redução dos níveis de estoque, as armadilhas a serem evitadas segundo a visão tradicional e quais as transformações na cadeia de suprimentos estão permitindo as empresas operarem com menores tamanhos de lote de ressuprimento.

Neste artigo serão abordadas as quatro decisões fundamentais para a formalização de uma política de estoques nas empresas, a saber:

  • Onde localizar os estoques na cadeia de suprimentos ? Esta decisão é referente à centralização ou à descentralização dos mesmos, vis-à-vis a análise de algumas dimensões relevantes como o giro, valor agregado e níveis de serviço exigidos.
  • Quando pedir o ressuprimento? Nesta decisão busca-se determinar se a empresa vai seguir ou não a metodologia sugerida pelo ponto de pedido.
  • Quanto manter em estoques de segurança? Ao calcular o estoque de segurança como função das variabilidades  na demanda e no lead-time de ressuprimento, as empresas devem determinar se é possível reduzi-lo sem prejuízo para os níveis de disponibilidade de produto exigidos pelo mercado.
  • Quanto pedir? Finalmente, busca-se determinar se é mais adequado para uma empresa adotar a metodologia do lote econômico de compras ou implementar um regime de ressuprimento just in time.

ONDE LOCALIZAR OS ESTOQUES NA CADEIA DE SUPRIMENTOS?

Esta decisão busca determinar se os estoques devem estar centralizados (em um único centro de distribuição/armazém) ou descentralizados (em mais de um centro de distribuição/armazém) na cadeia de suprimentos. Além disto, em função de características específicas de cada negócio, a localização dos estoques pode envolver em alguns casos decisões de consignação ou a decisão de não manter determinado material em estoque.

Basicamente, conforme ilustra a Figura 1, são quatro as dimensões que influenciam a localização dos estoques na cadeia de suprimentos: giro do material, lead-time de resposta, nível de disponibilidade exigida pelos mercados e valor agregado do material.

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Vamos agora, analisar individualmente o impacto de cada uma destas dimensões sobre a decisão de localização de materiais na cadeia de suprimentos.

  • Giro do material: quanto maior, maior a tendência à descentralização por diversos armazéns ou centros de distribuição, pois menores são os riscos associados à perecibilidade e à obsolescência do material. Além disto, devemos observar que materiais com elevado giro absorvem uma parcela menor dos custos fixos de armazenagem, comparativamente aos materiais de giro mais baixo.
  • Lead-time de resposta: quanto maior o tempo de resposta desde a colocação do pedido até o atendimento ao cliente final, maior é a tendência à descentralização dos estoques, com vistas a um atendimento mais rápido. As empresas devem avaliar, em termos incrementais, se a redução nos custos de oportunidade de manter estoques em trânsito mais do que compensam a abertura de uma novo ponto de armazenagem.
  • Nível de disponibilidade exigida pelos mercados: quanto maior o nível de serviço, maior a tendência a posicionar os materiais próximos ao cliente final. Neste caso, deve ser feita mesma análise incremental descrita para o lead-time de resposta.
  • Valor agregado: finalmente, quanto maior, maior a tendência à centralização, contrariamente ao exposto para as três dimensões anteriores. Isto por que materiais de elevado valor agregado implicam em elevados custos de oportunidade de estoques, os quais podem se tornar proibitivos quando há descentralização dos mesmos. Casos reais de diversas empresas indicam que a descentralização leva a um aumento expressivo nos níveis de estoque de estoque de segurança, proporcional a raiz quadrada  da razão entre o número final e o número inicial de pontos de armazenagem. Por exemplo, espera-se que uma empresa ao passar de dois para três armazéns experimente, no médio prazo, um aumento nos níveis de estoque de segurança da ordem de 22,5% (obtido a partir da expressão (v(3/2) – 1)*100% ).

Ao analisarmos conjuntamente o efeito destas quatro dimensões, a situação se torna extremamente complexa em virtude das diversas iterações possíveis. Desta forma, sem a pretensão de sermos exaustivos em termos de categorias de produto, ou abordar com precisão todas as possíveis decisões com relação à localização dos estoques na cadeia de suprimentos, chamamos atenção para dois casos particulares: a consignação de materiais e a não manutenção de um material em estoque.

As condições favoráveis à consignação dos estoques, por exemplo, de um fornecedor de matérias-primas para seu cliente industrial surgem quando:

  • o material em questão possui elevado valor agregado, afetando significativamente, sob a perspectiva do cliente industrial, o custo de oportunidade de mantê-lo em estoque;
  • é um material extremamente crítico para o cliente industrial, isto é, possui uma elevada exigência com relação à sua disponibilidade imediata, devendo se localizar próximo ao processo produtivo;
  • o material apresenta elevado giro, permitindo ao fornecedor manter ou aumentar seu retorno sobre o investimento mesmo que haja redução nas margens de contribuição por unidade de produto em função do alongamento dos ciclos de caixa e do período em que permanece proprietário dos estoques.

Alguns materiais que se encaixariam neste caso, por exemplo, seriam algumas peças e componentes utilizados pela indústria automobilística. Por outro lado, as condições favoráveis a não manter um determinado material em estoque na cadeia de suprimentos ocorrem quando:

  • o material possui elevado valor agregado;
  • é um material que apresenta baixo giro. Esta característica não apenas dificulta a opção pela consignação, como também aumenta os riscos associados à obsolescência e à perecibilidade, e a parcela dos custos fixos de armazenagem a ser absorvida pelo material;
  • o material apresenta pequena exigência com relação à sua disponibilidade imediata.

Alguns produtos que se encaixariam neste caso, por exemplo, seriam os bens de capital e alguns equipamentos hospitalares mais caros, como os tomógrafos computadorizados. Geralmente a empresa responsável pela representação comercial deste tipo de produtos utiliza seus clientes anteriores como show-rooms no atendimento de novos clientes em fase de decisão pela compra.

QUANDO PEDIR O RESSUPRIMENTO?

Segundo a metodologia de ponto de pedido, conforme visto no primeiro texto, a solicitação do ressuprimento (momento de pedir) depende diretamente do consumo médio de materiais e do lead-time de reposta, conforme ilustra a Figura 2. Veremos a seguir que, dependendo da estrutura de custos de manutenção de estoques e de transportes de cada empresa, pode ser economicamente viável solicitar o ressuprimento antes ou depois da data indicada pelo ponto de pedido.

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Existem situações nas quais pode ser mais interessante postergar a solicitação do ressuprimento até o último instante possível antes do momento do reabastecimento, sendo que uma delas é quando há a possibilidade de contratar transporte expresso ou premium. Para materiais de elevado valor agregado, baixo peso unitário e elevado risco de obsolescência ou perecibilidade, as empresas devem avaliar se o acréscimo no gasto com a contratação do transporte expresso é mais do que compensado pela redução no custo de oportunidade de manter o estoque em trânsito.

Por exemplo, o transporte de microprocessadores eletrônicos da Ásia para os EUA e o transporte de frutas tropicais da América Central para o Japão são feitos pelo modal aéreo ao invés do marítimo. Percebeu-se nestes casos que o acréscimo nos gastos com frete seriam mais do que compensados pela redução nos riscos de obsolescência e perecibilidade, respectivamente, associados a um menor lead-time de transporte.

Por outro lado, há situações nas quais é interessante postergar a solicitação do ressuprimento com vistas à consolidação do carregamento. Para materiais de baixo valor agregado, considerável peso unitário e pequeno risco de obsolescência/perecibilidade, as empresas devem avaliar se o acréscimo no custo de oportunidade de manter estoques de segurança adicionais é mais do que compensado por reduções no gasto com transporte.

Por exemplo, alguns fornecedores de materiais elétricos e para soldagem situados no Rio de Janeiro e em São Paulo programam saídas semanais de veículos para o atendimento de suas filiais localizadas no Nordeste. Como a demanda diária de cargas para o Nordeste é extremamente baixa, estas empresas podem esperar até cinco dias úteis após a colocação do pedido para a consolidação do carregamento. Ao adotar esta política de transporte, os estoques de segurança nas filiais nordestinas devem ser adequados para cobrir um lead-time de resposta maior. Devemos lembrar que o objetivo dos estoques de segurança é proteger a empresa de aumentos inesperados na demanda tão logo seja atingido o ponto de pedido e solicitado o ressuprimento.

QUANTO MANTER EM ESTOQUES DE SEGURANÇA?
Geralmente os estoques de segurança são determinados supondo que a variabilidade da demanda siga uma distribuição de probabilidade Normal . Considerar esta premissa, implica num retorno decrescente dos estoques de segurança para efeito de disponibilidade de produto, conforme ilustra o Gráfico 1.

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Segundo este gráfico, por exemplo, um estoque de segurança igual a um desvio-padrão da demanda garante uma pouco menos de 85% chances de não haver falta de produto (stock-out). Dois desvios garantem pouco menos de 98% de chance e três desvios, pouco menos de 99,9%. No limite, os estoques de segurança nunca garantirão 100% de chances de não haver falta de produto .

As implicações práticas do retorno decrescente dos estoques de segurança para empresas que operam em mercados altamente competitivos são extremamente significativas, por dois motivos principais.

  • Em primeiro lugar, quanto maior for o nível de competição num dado mercado, maiores serão os erros associados ao processo de previsão de demanda. Maiores erros de previsão, por indicarem um desvio padrão de maior magnitude, implicam em maiores estoques de segurança.
  • Em segundo lugar, mercados competitivos geralmente exigem uma maior disponibilidade de produto. Quanto maior a disponibilidade exigida, maior o número de desvios-padrão da demanda utilizado na determinação dos estoques de segurança.

Com base nestes dois motivos, as empresas devem considerar não apenas a variabilidade da demanda e a disponibilidade desejada de produto, mas também os custos associados ao excesso e à falta de produtos em estoque, conforme ilustra a Figura 3. Na realidade deve ser avaliado o nível de risco associado à manutenção de estoques de segurança, ou seja, quais as chances da empresa investir num nível de estoque de segurança para garantir determinada disponibilidade de produto e a demanda real ficar abaixo do nível esperado.

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Uma análise preliminar sobre este nível de risco pode ser feita rapidamente através da equação expressa na Figura 4, onde Cf representa o custo da falta e Ce o custo do excesso. O custo da falta engloba não apenas a margem de contribuição (preço de venda menos o custo de aquisição) perdida quando não há disponibilidade de produto em estoque, mas também eventuais prejuízos a imagem da empresa que possam ser tangibilizados de alguma maneira. O custo do excesso envolve não apenas o custo de oportunidade de manter estoques de segurança como também eventuais perdas por obsolescência ou perecibilidade do produto.

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Para produtos de elevado valor agregado, com elevada taxa de obsolescência ou alto grau de perecibilidade, o risco associado à manutenção de estoques de segurança são consideráveis (aproximadamente 1). Neste caso os estoques de segurança devem ser subdimensionados. Por outro lado, produtos que garantam elevadas margens de contribuição para a cadeia de suprimentos, ou que uma indisponibilidade momentânea afete substancialmente a fidelidade dos clientes, devem ter os estoques de segurança dimensionados conservadoramente. Devemos lembrar que o tipo de ajuste feito vai depender de cada caso, não havendo uma solução única a ser seguida.

QUANTO PEDIR?

Na era da gestão Just in Time (JIT) dos níveis de estoque, o conceito do lote econômico de compra (LEC) parece estar um pouco defasado. Será que a fórmula matemática está conceitualmente errada ou simplesmente caiu em desuso?

A fórmula do LEC calcula o tamanho ótimo do lote a partir do trade-off entre os custos de manter estoques e o custo de processar o pedido (transporte, avaliação de crédito, set-up de equipamentos etc). A sabedoria tradicional do fornecimento enxuto, entretanto, nos diz que o tamanho de lote unitário deve ser o objetivo principal a ser perseguido. Percebemos claramente que estas duas abordagens são antagônicas. Mas será que elas podem ser utilizadas conjuntamente?

A reconciliação destas duas abordagens vem através do reconhecimento que a fórmula do LEC é válida, mas percebe o problema de forma menos dinâmica que os defensores do ressuprimento enxuto. Por exemplo, o LEC assume que os custos de processamento do pedido são dados do sistema e, portanto, calcula o tamanho de lote que vai diluir este custo sem, no entanto, incorrer em custos excessivos de manter estoques. A prática JIT faz o caminho reverso: dado que o tamanho de lote ideal é o unitário, a empresa deve se esforçar para reduzir os custos de processamento do pedido. Na medida que os custos de processamento do pedido diminuem, o tamanho ótimo do lote calculado pela forma do LEC também diminui.

Os defensores do JIT e do ECR no varejo tendem a colocar um peso maior no custo de carregar estoques. Em sua perspectiva, os estoques são um recurso utilizado para esconder ineficiências nos sistemas de produção e distribuição. Usando a famosa analogia do lago, os defensores do JIT argumentam que ao se baixar o nível de água (estoques), as pedras aparecem (problemas ou deficiências do sistema). A partir daí é possível direcionar esforços para eliminar estes problemas permitindo que o barco (fluxo de produtos e materiais) navegue com maior tranqüilidade. Já os defensores do ECR reconhecem que o custo de carregar estoques foi freqüentemente mal calculado. Da perspectiva do varejista, se por um lado o custo da venda perdida é extremamente elevado, por outro lado um grande volume de produtos em estoque é liquidado através de promoções para estimular a demanda. A solução passa por um nível de estoque menor, melhor dimensionado apoiado por um sistema de reposição eficiente.

Desta forma, os defensores do ECR e do JIT não devem rejeitar a fórmula do LEC. O tamanho de lote que equilibra os custos de processar pedidos com os custos de carregar estoques de fato leva ao menor custo total da operação. As empresas líderes perceberam não apenas a importância de reduzir estoques, mas também a necessidade de aperfeiçoar continuamente o processamento de pedidos de modo a assegurar que o fornecimento enxuto seja a operação de menor custo total.

CONCLUSÃO

Este artigo comentou as quatro principais decisões necessárias à formalização de uma política de estoques para a cadeia de suprimentos: onde localizar, quando pedir, quanto manter em estoques de segurança e quando pedir. Especificamente para cada uma destas decisões, destacamos os principais pontos a seguir.

  • A localização, ou o nível de centralização dos estoques na cadeia de suprimentos é um processo que depende fundamentalmente da iteração de diversas dimensões características de cada material: giro, valor agregado, disponibilidade e lead-time de resposta exigidos.
  • A decisão de quanto pedir também depende de análises incrementais nos custos de manutenção de estoques e de transporte, principalmente quando estão sendo avaliadas estratégias de postergação ou de consolidação do ressuprimento.
  • O dimensionamento dos estoques de segurança vai depender não apenas da disponibilidade de produto exigida pelos mercados e da variabilidade da demanda, mas também de uma análise relativa aos custos da falta e de excesso.
  • Com relação ao quanto pedir, a metodologia do LEC e o ressuprimento JIT não constituem abordagens mutuamente exclusivas, podendo ser empregas em conjunto para avaliação e contínua redução nos tamanhos de lote.

BIBLIOGRAFIA

  • BALLOU, R.H., 1992, Business Logistics Management, 4 ed, Prentice Hall.• BOWERSOX, D.J., CLOSS, D.J., 1996, Logistical Management – The Integrated Supply Chain Process, 1 ed, McGraw-Hill.• WANKE, P., FLEURY, P.F., 1999, “O Paradigma do Ressuprimento Enxuto: Armadilha na Gestão do Fluxo de Materiais entre Elos da Cadeia de Suprimentos”, Anais do XXIII ENANPAD.• WATERS, C.D.J., 1992, Inventory Control and Management, 1 ed, New York, Wiley&Sons.

https://ilos.com.br

Doutor em Ciências em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e visiting scholar do Departamento de Marketing e Logística da Ohio State University. Possui os títulos de Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e de Engenheiro de Produção pela Escola de Engenharia da mesma universidade. Professor Adjunto do Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ, coordenador do Centro de Estudos em Logística. Atua em atividades de ensino, pesquisa, e consultoria nas áreas de localização de instalações, simulação de sistemas logísticos e de transportes, previsão e planejamento de demanda, gestão de estoques em cadeias de suprimento, análise de eficiência de unidades de negócio e estratégia logística. Possui mais de 60 artigos publicados em congressos, revistas e periódicos nacionais e internacionais, tais como o International Journal of Physical Distribution & Logistics Management, International Journal of Operations & Production Management, International Journal of Production Economics, Transportation Research Part E, International Journal of Simulation & Process Modelling, Innovative Marketing e Brazilian Administration Review. É um dos organizadores dos livros “Logística Empresarial – A Perspectiva Brasileira”, “Previsão de Vendas - Processos Organizacionais & Métodos Quantitativos”, “Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos: Planejamento do Fluxo de Produtos e dos Recursos”, “Introdução ao Planejamento de Redes Logísticas: Aplicações em AIMMS” e “Introdução ao Planejamento da Infraestrutura e Operações Portuárias: Aplicações de Pesquisa Operacional”. É também autor do livro “Gestão de Estoques na Cadeia de Suprimento – Decisões e Modelos Quantitativos”.

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