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A relevância da gestão do supply chain na disponibilidade de vacinas

Por Thatiana Nomi.

Segundo a World Health Organization (WHO), a aplicação de vacinas evita de 2 a 3 milhões de mortes por ano com difteria, tétano, coqueluche e sarampo, mas outras 1,5 poderiam ser evitadas através de uma maior cobertura de vacinação, possível se as cadeias de suprimento fossem mais eficientes. Aliás, esse é um assunto que não recebe tanta atenção da mídia, que geralmente dá mais destaque para o desenvolvimento de novas vacinas. Porém, se as vacinas não chegarem às pessoas, não há imunização.

Basicamente, há 2 âmbitos de vacinação: a emergencial, baseada na logística humanitária, e a contínua, realizada de forma periódica através de uma cadeia estruturada. O supply chain de imunização corresponde à rede de localizações, pessoas, equipamentos e informações necessárias para que as vacinas cheguem até a população nas condições ideais. As cadeias geralmente possuem 4 níveis: armazém central, armazéns regionais, armazéns municipais e salas de vacinação. O desenvolvimento de modelos de suprimento de vacinas data do fim dos anos 70, como resultado dos esforços para erradicação da varíola. Um grande marco mundial foi a criação do Programa Ampliado de Imunização da WHO, em 1974, para ampliar a cobertura de vacinação infantil. O programa foi desenhado para gerir a distribuição de um pequeno número de vacinas em uma quantidade de localizações restrita.

Desde então, as complexidades só aumentaram: crescimento populacional, transformações epidemiológicas, variedade de vacinas, ampliação da população-alvo, aumento de custos e novas exigências na cadeia do frio. No fim de 2014 a WHO publicou um documento call-to-action para ressaltar as necessidades de aprimoramento dos processos logísticos: Immunization Supply Chain and Logistics – A Neglected but Essential System for National Immunization Programmes. No documento, compara-se o cenário dos anos 80 com o atual. Hoje, os programas de imunização precisam cobrir 2,5 vezes mais doenças, há demanda de armazenagem e transporte de 4 vezes mais volume de vacina, e os custos para imunizar uma pessoa estão 6 vezes maiores.

 

Fatores de complexidade

Vacinas são complexas de gerir, pois são medicamentos biológicos, com componentes “vivos” em sua formulação. Quando expostas a temperaturas inadequadas, ocorre a inativação dos componentes imunogênicos, e a vacina perde sua função. As especificações dependem do imunobiológico, mas as temperaturas geralmente devem ser mantidas na faixa de 2° a 8° C, ou em temperaturas negativas de -25° a -15° C. Muitas também são conservadas por liofilização (desidratação), exigindo diluição antes da aplicação. Para tal, é necessário um diluente correspondente, que, ao contrário das vacinas, deve ser conservado em ambiente climatizado na faixa dos 25° C.

No começo, os maiores desafios logísticos decorriam da falta de sistemas de monitoramento de temperatura e da falta de equipamentos adequados para armazenagem e transporte. Ao longo dos anos, essas dificuldades resultaram em uma série de inovações tecnológicas. Foram desenvolvidos equipamentos de refrigeração específicos, foram feitas adaptações para lidar com a falta de energia, foram desenvolvidas caixas térmicas de alta performance, e foram criados dispositivos como os monitores de frasco (etiquetas termocrómicas que indicam visualmente se o produto foi mantido em temperaturas ideais).

Mesmo com os avanços, o problema da perda de vacinas ainda é de muita relevância. A ONU estima que cerca de metade das vacinas produzidas no mundo é desperdiçada, seja pela validade do frasco depois ou antes de sua abertura, ou por falha dos equipamentos, problemas no transporte, no armazenamento, ou manuseio impróprio. Muitas vezes os armazéns não conseguem suportar o crescente volume, o que é agravado por embalagens que ocupam espaço significativo. Outra questão são as campanhas anuais de vacinação contra a gripe, realizadas em períodos específicos. Essas operações são complexas, exigindo mais recursos (espaço e equipamentos), que, posteriormente, podem acabar ficando ociosos. Associado ao fato de que os custos têm subido, isso significa que os gestores dessas cadeias devem trabalhar mais fortemente para manter níveis adequados de estoque de cada um dos vários tipos de vacina, prever a demanda com uma boa acuracidade e reduzir desperdícios.

 

O quadro brasileiro

As condições do Brasil, tanto suas características (dimensão populacional e extensão territorial) quanto sua infraestrutura, não facilitam as ações de imunização. Aqui rege o Programa Nacional de Imunização (PNI), estabelecido em 1973. A aquisição das vacinas é centralizada pelo Ministério da Saúde, mas o planejamento é descentralizado, de forma que as Secretarias Municipais têm autonomia para definir quais vacinais são necessárias em cada localidade. A cadeia brasileira possui 5 níveis, como mostra a figura 1. Os depósitos nacionais estão localizados no RJ, os estaduais são 1 por UF, os regionais geralmente estão inseridos em municípios com sedes administrativas do sistema de saúde, os municipais são quase 1 por município, e as salas de vacinação são unidades prestadoras de serviços de saúde.

Estrutura do supply chain de imunização brasileiro

Figura - Estrutura do supply chain de imunização brasileiro.

O governo reporta uma cobertura vacinal média de 95%, de 1994 a 2014. Aqui só cabe uma observação sobre o indicador. A cobertura costuma ser medida em menores de 1 ano, considerando um grupo específico de vacinas. Porém, o indicador utiliza o total de doses aplicadas no numerador, ignorando fatores de adequação epidemiológica (aplicação na idade correta) e de adequação imunológica (aplicação nos intervalos corretos). Em outras palavras, há alguma superestimação nos números. Outros pontos metodológicos podem ser questionados, mas, mesmo que o número esteja inflado, reconhece-se que o programa brasileiro é referência em campanhas de vacinação em massa.

Mas isso não significa que os resultados são obtidos com eficiência. Não é incomum nos depararmos com notícias sobre o desperdício ou, ironicamente, a falta de vacinas. Em 2011, o Brasil desperdiçou mais de 6 milhões de doses da vacina H1N1 por validade (um desperdício de R$78 milhões). Em março de 2015, 6 Estados reportavam grave falta de vacinas, incluindo a BCG, que protege contra a tuberculose e cuja aplicação em recém-nascidos é recomendada logo após o nascimento. E apesar desse índice de cobertura, o país volta a sofrer com a febre amarela. A princípio, a vacina só era recomendada para regiões consideradas de risco. Em caso de surto em locais pouco prováveis, a operação logística inicial deve ser a emergencial, e, depois, reavalia-se a necessidade de abastecimento contínuo ou não. Mas a capacidade de resposta emergencial do Brasil não é das melhores: desde janeiro até o fim de abril desse ano foram confirmados 715 casos, que resultaram em 240 mortes.

O fato de que cada nível de gestão do PNI desenvolve suas operações logísticas isoladamente, e o fato de que os sistemas de apoio ao planejamento não são integrados nos fazem questionar a eficiência da cadeia. Netto (2008) reporta que o Sistema de Informação de Estoque e Distribuição de Imunobiológicos (SI-EDI) não realiza cálculos de ressuprimento, por exemplo, com cálculos manuais ou com auxílio de planilhas. Não há visibilidade do estoque na cadeia, e não parece que os municípios estão capacitados a executar um planejamento ótimo. Quanto ao transporte, a autora reporta também que, por falta de recursos financeiros, muitas vezes são utilizados veículos impróprios, especialmente nos níveis regional e municipal. Questiona-se também a homogeneidade da cobertura no país. Domingues e Teixeira (2013) reportam que, em 2011, apenas 53,7% dos municípios brasileiros possuíam cobertura vacinal adequada na vacina BCG em menores de 1 ano de idade, por exemplo.

Apesar da clara necessidade de investir no desenvolvimento de seus profissionais, as empresas ainda enfrentam muitos desafios quando se trata de treinamentos e capacitação empresarial.

 

O papel da gestão do supply chain

Se em 1976 a distribuição de vacinas era referenciada como vaccine cold chain, nos últimos 5 anos o termo começou a ser substituído pelo conceito de supply chain. À medida em que os fatores de complexidade crescem, e os custos com procurement e transporte dos materiais sobem, busca-se cada vez mais integrar os diversos planos de distribuição. Serviços de imunização rotineiros em instalações fixas, programas de imunização em locais remotos e campanhas pontuais de vacinação cada vez mais devem ser pensados de forma integrada, como partes de um plano central, por exemplo. Iniciativas de reavaliação das cadeias de suprimento vão desde a reestruturação da rede, dos modos de transporte, dos métodos de previsão, avaliação do impacto do tamanho das embalagens em transporte e armazenagem, estudo do trade-off entre transporte e armazenagem, e mensuração dos impactos da introdução de novas vacinas na cadeia existente.

Em pesquisa no mercado de saúde brasileiro, o ILOS constatou que a média de ruptura de estoque das empresas foi de 10,4%, sendo que 91% dos executivos acreditam ser possível reduzir esse número em algum grau. E ao mesmo tempo em que acreditam ser possível a redução da indisponibilidade, 52% dos respondentes afirmaram também ser possível reduzir os níveis de estoque. A pesquisa contou com 50 empresas da indústria farmacêutica, e 86% delas reportaram ter uma política de estoques bem definida, revisada pelo menos uma vez no ano. Se no setor privado acredita-se plausível a redução das ineficiências, imagine as oportunidades existentes de melhoria no supply chain de vacinação brasileiro.

Em abril desse ano, o Journal Vaccine publicou uma edição especial: Building Next-Generation Immunization Supply Chains. Um dos estudos utilizou um modelo para simular o fluxo de vacinas na República do Benin (país da região ocidental da África), considerando diversas configurações da rede. Quando foi considerada a introdução da vacina rotavírus, análises mostraram que a disponibilidade de vacinas cairia de 93% para 71%, e o custo logístico por dose subiria de $0,23 para $0,26. Porém, alterando a estrutura da cadeia com o agrupamento dos depósitos municipais em zonas, realizando expansões de capacidade e modificações na estratégia de transporte, as simulações apontaram ser possível fornecer uma disponibilidade de 99%, a um custo menor de $0,18 por dose.

 

Estruturas inicial e alternativa do supply chain de imunização de Benin

Figura - Estruturas inicial e alternativa do supply chain de imunização de Benin

Pensando no futuro, deve-se levar em conta também o fato de que há uma tendência de desenvolvimento de medicamentos no segmento dos biológicos. Assim como as vacinas, que possuem componentes “vivos”, esses medicamentos também precisarão da cadeia do frio, não só nos processos logísticos, mas também nos pontos de venda.

 

Conclusões

Os processos de armazenagem e distribuição podem não ser assuntos tão glamorosos quanto avanços científicos em desenvolvimento de novas vacinas, mas não são menos importantes. O Global Vaccine Action Plan da WHO, esforço de imunização ratificado por 194 países-membros da entidade, possui objetivos como a erradicação da pólio e atingimento das coberturas-alvo em todas as regiões e comunidades do mundo no período de 2011 a 2020 (a “década da vacina”). Tanto no Brasil quanto no mundo, isso só será possível uma vez que as autoridades entendam a importância da gestão das cadeias de suprimento de imunização. E, após entenderem, precisarão tomar ações para superar os atuais gargalos e ineficiências. Antes disso, muitas pessoas ainda continuarão sem acesso à proteção que têm direito, e muito dinheiro será gasto no caminho.

 

Referências

  • Brown, S. et al. The benefits of redesigning Benin’s vaccine supply chain (2014)
  • Domingues, C. e Teixeira, A. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do PNI (2013)
  • Moeti, M. et al. No product, no program: The critical role of supply chains in closing the immunization gap (2017)
  • Netto, G. Contribuição para melhorar o gerenciamento logístico da cadeia de frio de imunobiológicos no Programa de Imunização do Brasil (2008)
  • World Health Organization

 

5 anos de experiência em projetos de consultoria em Logística e Supply Chain. Atuou em projetos de otimização de rede logística, custo de servir, plano diretor logístico, definição de política de estoque, previsão de vendas, S&OP (Sales and Operations Planning) e planejamento e gestão de transportes.

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